Por Piatã Mueller*.
Nessa quinta-feira (7), o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar que acaba com o anatocismo (juros sobre juros) praticado na forma de cálculo da dívida do estado de Santa Catarina com a União. Com isso, o governo estadual que informou ter uma dívida de R$ 4 bilhões em 1998, já ter pago R$ 13 bilhões e ainda dever mais R$ 8 bilhões dessa mesma dívida, tem a sua dívida praticamente zerada.
A decisão não é definitiva, mas reafirma a ilegalidade insistentemente denunciada pela Auditoria Cidadã da Dívida, que se reproduz em diversos estados do Brasil.
O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi hoje (8) ao STF. Na saída, falou que considera um equívoco a decisão que está sendo acatada pelo tribunal e que tem “grande impacto sobre as finanças públicas”. O ministro apresentará sua defesa na próxima semana.
O precedente que se abre é importante e perigoso para o Sistema da Dívida, pois após décadas de prática ilegal do anatocismo, outros estados poderão questionar as ilegitimidades utilizadas nas formas de cálculo das suas dívidas. Se essa mesma mudança for feita, pode trazer um prejuízo de R$ 313 bilhões, segundo cálculos do governo federal. Imagine-se, portanto, quantas centenas de bilhões já foram pagas para além das dívidas originais.
Ainda que a Justiça aponte para a condenação das ilegalidades e ilegitimidades tantas vezes denunciadas pela Auditoria Cidadã da Dívida, como o anatocismo, isso não significa que as intenções do governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, sejam das mais altruístas. Em primeiro lugar, porque ele em momento algum se propõe a realizar uma auditoria da dívida do estado, que revelaria ainda mais ilegitimidades. Vale lembrar que a dívida do estado de Santa Catarina não se resume apenas à dívida com a União, parte significativa dela é dívida externa.
O núcleo catarinense da Auditoria Cidadã da Dívida avalia que a ação no STF pode ser uma forma do governador barganhar melhores condições para o pagamento da dívida, melhorando o período e reduzindo o valor das parcelas do refinanciamento, como diz a proposta que tramita na Câmara dos Deputados, de 20 anos para pagar as dívidas estaduais, já que o impetrante (autor) do mandado de segurança pode desistir da ação a qualquer tempo, ainda que proferida decisão de mérito a seu favor e sem anuência da parte contrária (conforme aponta decisão do STF de 2013, RE 669367/RJ).
O integrante do núcleo de Santa Cataria da Auditoria Cidadã da Dívida, João Luis, ressalta que o governo do estado deixa de lado diversas outras denúncias, que poderiam ser feitas, como a perda de ativos, caso do Besc, Celesc (que parte foi vendida) e Badesc (que deixou de ser banco de desenvolvimento para virar agência de fomento, o que faz perder muito poder). “O estado perdeu muito da sua autonomia para fazer política econômica, para efetivamente se ter algum desenvolvimento econômico. É isso que tinha que ser posto na pauta e será se for feita uma auditoria da dívida, o que não é o caso. Eles não querem tocar no assunto”, ressalta.
Três motivos para o governo de Santa Catarina não desejar uma auditoria na dívida estadual
Artigo do NDOnline intitulado “Os fantasmas do governo catarinense”, revelam que o governo de Santa Catarina possui três graves motivos para não desejar auditar a própria dívida estadual. Três ações correm na Justiça, que juntas, se perdidas, somariam quase ou mais de 5 bilhões, dependendo de como a justiça julgar os casos, o que comprimiria ainda mais os gastos do governo do estado e a federalização da dívida seria inevitável.
Deste valor, R$ 1,177 bilhões seriam referentes ao escândalo das Letras, que se sucedeu no governo Paulo Afonso (1996), quando o TJ-SC atestou que o governo devia 650 milhões em precatórios. Para pagar este valor foi autorizado a emissão de Letras Financeiras do Tesouro, entretanto foi descoberto que o documento do TJ-SC era fraudulento. O Tribunal de Justiça anulou a emissão das letras e quem havia comprado ficou apenas com um papel que não valia nada. Atualmente o processo corre na justiça e entre os credores estão:
Bradesco Vida e Previdência
Banco britânico Lloyds Bank
TSB Telos (Fundação Embratel de Seguridade Social)
Banco de Brasília
Divalpar Participações Societárias
Petros (Fundação Petrobras de Seguridade Social)
BBVA Serviços e Negócios
Omar Camargo Corretora de Valores
Serpros Fundo Multipatrocinado
Funcef (Fundação dos Economiários Federais)
Elos (Fundação Eletrosul de Pre vidência e Assistência Social) – entrou em precatório em 2010.
O segundo caso é o da INVESC, que é uma empresa criada com a intenção de captar recursos para o Estado, principalmente para obras de infraestrutura. Em 1995, data da sua fundação, lançou debêntures no valor de 100 milhões de reais, que poderiam ser permutadas por ações ordinárias da Celesc. Todavia, as debêntures renderam mais que as ações da empresa distribuidora de energia, os que haviam realizado a permuta entraram na justiça alegando prejuízo. Este caso para o governo do Estado pode chegar a custar R$ 3,037 bilhões.
O terceiro caso, é o caso da construtora de Joinville Engepasa, este pode chegar uma dívida de até 1 bilhão de reais. A construtora ganhou a licitação para fazer a duplicação da Rodovia SC 401 (Rod, José Carlos Daux), em troca ela teria direito de administrá-la e cobrar pedágios. Entretanto, por se tratar de uma rodovia dentro do perímetro municipal, depois de várias ações na justiça o pedágio foi proibido e a empresa entrou com outra ação pedindo a indenização por parte do governo do Estado.
Tendo em vista estas questões, a suspeita é que o atual governo não teria como honrar seus compromissos de investimentos, o que poderia comprometer a aliança política formada, que reelegeu Colombo, e a candidatura de seu partido na próxima eleição. Por isso, o interesse em zerar a dívida através de uma ação judicial, para que o atual bloco que gerencia o estado prossiga sua manutenção.
* com informações do Núcleo de Santa Catarina da Auditoria Cidadã da Dívida
Fonte: ACD Nacional