Sombras do passado marcam eleições no Peru

O Peru vai às urnas em 10 de abril em uma disputa que tem feito o país sulamericano reviver seu passado recente de maneira intensa. O atual presidente, Ollanta Humala, não pode ser reeleger, e a líder nas pesquisas de intenção de voto é Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), famoso pelo autogolpe de 1992, quando fechou diversas instituições democráticas, e atualmente preso por crimes de lesa-humanidade.

A força e a fraqueza de Keiko estão diretamente relacionadas a seu pai e a seu legado divisivo. Enquanto Fujimori é lembrado por parte dos cidadãos como o líder que debelou o grupo guerrilheiro Sendero Luminoso e construiu estradas pelo país, outros tantos eleitores não esquecem da corrupção sistêmica, da fuga do ex-presidente para o Japão e, posteriormente, de sua prisão em Lima, e das acusações de vinculação com o narcotráfico.

“A insegurança e a violência cresceram a tal ponto que se converteram no principal problema dos peruanos. Vamos recuperar o país para viver em paz e sem medo, com um Estado eficiente e que responda às necessidades da população”, diz Leyla Chihuán, colega de Keiko no partido Força Popular e no Congresso peruano.

“Ela trabalhou durante os últimos cinco anos em um ritmo impressionante. Há identificação das mulheres, dos jovens, mas, sobretudo, há uma afinidade com as propostas que apresentamos”, ressalta a fujimorista.

Pesam contra a nipoperuana, derrotada em 2010 por Humala, acusações de compra de votos, que ainda ameaçam sua candidatura, e a aversão de parte dos peruanos ao fujimorismo, como fica denotado no comentário do escritor e prêmio Nobel Vargas Llosa. Para o autor, fortemente engajado na política local, a possível eleição de Keiko seria uma “volta à ditadura, provavelmente a mais corrupta do país”.

Por conta disso, a possível liberação de Alberto Fujimori em um eventual mandato da filha, é tema recorrente na campanha. “O partido tem sido claro desde o início, não haverá indulto presidencial”, diz Leyla Chihuán.

Ela também rebate as outras acusações como ilegítimas. “As provas demonstram que a acusação de compra de votos não é verdadeira. Sabíamos que nos atacariam e nos acusariam, mas cada ataque será respondido com uma nova proposta”, afirma Chihuán.

O receito quanto à ascendência de Keiko pode ser sentido nas ruas. Morador da cidade de Arequipa e em busca de emprego, o engenheiro Rodrigo Riveira dá mais crédito às impressões de seus pais, que viveram o período fujimorista, do que à defesa da candidata. “Keiko é a continuação de Alberto. O mesmo grupo corrupto que governou com ele está nesta campanha com ela”, diz.

Cartas dentro e fora do baralho

Entre ataques e propostas, a alternância de candidatos que aparecem com chances de enfrentar Keiko no segundo turno embaralham a eleição.

Dois importantes concorrentes foram recentemente sacados da disputa por decisão da Justiça Eleitoral peruana: Júlio Guzmán, por irregularidades burocráticas na formação de sua chapa, e o ex-prefeito de Trujillo Cesar Acuña, por compra de votos.

Outro que saiu da disputa foi o candidato governista Daniel Urresti. Ele nunca passou de 3% nas pesquisas, em parte por conta da baixa popularidade do presidente Humala, reprovado por cerca de dois terços dos peruanos e acusado de receber valores indevidos da Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato, e sua candidatura foi retirada pelo Partido Nacionalista.

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Pedro Pablo Kuczynski em ato de campanha nas cercanias de Lima. Ele é o segundo colocado (Foto: Cris Bouroncle / AFP)

Com a saída de adversários, novos concorrentes aparecem com a possibilidade de chegar ao segundo turno e tentar se valer da rejeição ao grupo fujimorista. Situando-se um pouco fora do circuito tradicional da política local, tentam emplacar o discurso da mudança a partir de uma nova forma de governar o país.

Acreditando nesse cenário, o candidato Pedro Pablo Kuczynski, ex-ministro da economia no começo dos anos 2000, e classificado por muitos como “gringo”, aposta na mistura da experiência com a renovação para convencer os peruanos de que não está a serviço de interesses hegemônicos e imperialistas. Caminho semelhante é apontado por Alfredo Barnechea, empresário e jornalista vinculado com bancos internacionais.

“Ambos me parecem muito profissionais. Kuczynski tem experiência prática de como se deve manejar uma economia e o fez bem em seu tempo de ministro”, afirma o economista Joel Rodriguez, classificando como neoliberais as candidaturas. “Barneceha tem um plano de governo que me parece positivo, incluindo o aspecto social que é fundamental para todas as administrações. Qualquer um dos dois pode fazer a economia crescer”, diz.

Em outro campo ideológico, a congressista e candidata Verónika Mendoza defende uma agenda mais progressista, colocando-se como a mais forte representante do campo esquerdista. “A Frente Ampla é uma opção esquerda. Queremos políticas que promovam a equidade e a inclusão”, diz Silvia Maca Silva, candidata ao Congresso pela Frente.

“Estamos fazendo muitos esforços para chegar ao segundo turno, mas para isso não pensamos em alianças com as forças de direita porque uma parceria deve ter acordo programático e concorrentes como Alan Garcia e Kuczynski defendem o modelo de sempre, o neoliberal”, diz.

A fragmentação partidária e o fato de dificilmente conquistarem maioria congressual podem atrapalhar os planos dos que apresentam-se como a revitalização da política peruana, caso cheguem ao poder. “Keiko tem uma rejeição muito alta e é muito provável que o segundo colocado no primeiro turno seja o novo presidente do Perú”, diz o editor de política doDiario Correo, Francisco Cohello.

“Kuczynski  e Barnecehea têm essa grande chance. O mesmo pode-se dizer de Verónika Mendoza. A esquerda, Vargas Llosa, as ONGs e o atual governo já declararam guerra à candidata fujimorista. Entretanto, qualquer partido que não tenha apoio no Congresso terá problemas para governar”, projeta Cohello.

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Veronika Mendoza para eleitores em cerimônia na qual apresentou seu programa de governo, em 28 de março, em Lima (Foto Ernesto Benavides / AFP)

O ostracismo dos ex-presidentes

Se os candidatos que apresentam-se como novidade têm dificuldades para convencer, a realidade é ainda mais severa com os ex-presidentes peruanos que buscam voltar ao cargo. Alan Garcia, mandatário entre 1985-1990 e 2006-2011, e Alejandro Toledo (2001-2005) devem terminar o processo com significativa perda de seus capitais políticos.

“Alan seria o primeiro presidente a governar o país por três vezes e isso traz algumas dificuldades, mas a quantidade de obras que realizamos, a significativa redução da pobreza e os empregos que geramos fazem com que nos diferenciemos dos outros concorrentes. A população não vai querer por em risco suas conquistas recentes”, aposta o congressista pelo Partido Aprista Peruano Mauricio Mulder.

Não é o que pensa, Davicho Spingles, proprietário de uma academia de muay-thay localizada no norte de Lima. “Há muitas coisas que os desacreditam. O eleitorado está cansado do mesmo discurso e das mesmas promessas. Agora, as pessoas estão mais informadas em comparação com eleições anteriores e discursos vazios não surpreendem mais. Toledo e Garcia perderam totalmente a credibilidade junto ao povo”.

Alan, chegou a aparecer com alguma chance no início da campanha, entretanto o alto índice de rejeição entre os postulantes não lhe deixou margem para manter-se como opção aos eleitores.

O ex-presidente, que acusou um instituto de tentar vender uma pesquisa a sua equipe, garante não se impressionar com os resultados dos levantamentos e diz confiar no povo peruano, conforme Mulder.

“Os peruanos tomam suas decisões no último momento e vão mudando suas percepções ao longo da campanha. Acreditamos no crescimento de Alan, pois os jovens, especialmente, buscam novas pessoas, mas durante o processo convertem-se para buscar não o novo, mas o melhor”.

A Toledo não se permite nem sonhar. Apesar de estar entre os concorrentes mais conhecidos, nunca colocou-se entre os primeiros nas sondagens de opinião. “Aqui há um cansaço com figuras muito conhecidas, frequentemente associadas à corrupção e definidas como mais do mesmo”, pontua Cohello.

Embaralhados com tantas informações e mudanças, os peruanos irão às urnas no dia 10 de abril para elegerem seu representantes ao Congresso e decidirem seu próximo presidente. Diante de tamanha fragmentação, a alta probabilidade do segundo turno, marcado para 5 de junho, pode dar mais tempo aos eleitores para refletirem sobre os rumos do país e depositarem novamente seus votos nas urnas.

Fonte: Carta Capital

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