Soluções dramáticas para a crise europeia

Por Flávio Aguiar.

Em meio à debacle provocada pelas soluções ortodoxas para a crise das dívidas públicas em muitos países, começam a surgir propostas e atitudes particulares que provocam perplexidade umas, até impasses outras.
Um exemplo de impasse foi do município de Rasquera, na Catalunha espanhola. O prefeito desse município de 900 habitantes, tradicional produtor de azeitonas, azeites e conhecido por seus rebanhos de cabras, propôs que as suas áreas públicas e livres fossem utilizadas para o plantio de cannabis – a maconha, em termos cotidianos.

Plantar maconha para consumo privado – mesmo coletivo – não é crime na Espanha. Mas dessa vez o governo regional e o nacional – através do Judiciário e da polícia – se mobilizaram contra o projeto, alegando que o seu tamanho seria enorme, e que seu promotor não era uma pessoa física, mas uma instituição pública, ou seja, a administração municipal.

O prefeito prosseguiu com sua ideia, mas decidiu submetê-la a um plebiscito, condicionando a sua implantação a uma votação favorável de pelo menos 75% dos eleitores. No referendo essa quota não foi alcançada, embora a idéia tenha vencido com 56% dos votos. A situação está num impasse, pois o prefeito não sabe se continua estimulando a idéia ou se dela desiste.

Entrementes ele e os demais apoiadores lamentam porque a iniciativa geraria 40 novos empregos em Rasquera (o desemprego na Espanha está em 24%) e uma renda de 2 milhões de euros em dois anos, o suficiente para zerar a dívida municipal, num país atolado numa dívida pública gigantesca.

Outra idéia “criativa” foi anunciada pelo jornal ateniense Proto Thema, como sendo do governo grego: alugar à iniciativa privada os serviços e a infra-estrutura da polícia, para captar fundos destinados à manutenção e a investimentos em aparelhagem e tecnologia. Assim um helicóptero custaria 1.500 euros a hora, uma lancha-patrulha 200, um carro com policial 40 e só o policial, 30. É possível até que o setor privatista na política brasileira se entusiasme com a idéia.

Mas a notícia mais dramática de todas vem da Itália. Antonio Manfredi, diretor do Museu de Arte Contemporânea de Casoria, perto de Nápoles, decidiu queimar obras de seu acervo em protesto pela falta de verbas públicas de manutenção. Diz ele que de 2010 para 2011 a verba pública caiu em 43%, e que hoje a situação é pior ainda. A primeira obra queimada, com consentimento da artista, foi um quadro da pintora francesa Severine Bourguignon, nesse protesto que lembra a imolação dos monges budistas. O museu tem 1.000 peças, e o diretor anuncia que no que chama de “Guerra das Artes”, ele queimará três por semana, alegando que sem o apoio das verbas públicas “elas se perderão de qualquer maneira”.

Em 2011 Manfredi escreveu à chanceler Angela Merkel, da Alemanha, pedindo asilo para si e para o museu em território germânico, alegando a mesma falta de recursos e ainda a existência de ameaças por parte da Máfia, uma vez que parte das obras são de protesto e denúncia contra a organização criminosa. O governo alemão não respondeu, mas em compensação o espaço alternativo Tacheles, em Berlim, ofereceu apoio e organizou uma exposição com algumas das obras do acervo.

A iniciativa de Manfredi tem algo de muito chocante nela, além da situação dramática que denuncia. É que para nosso imaginário latino-americano “Europa” e “queimar obras de arte” são idéias que não rimam, a não ser em se tratando do regime nazista (nem mesmo o fascista, na Itália, usou deste recurso, embora perseguisse escritores, artistas e intelectuais opositores).

Para esse nosso imaginário, a idéia de “Europa” era intimamente associada às de “equilíbrio” e “razão”.

Era.

Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

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