Sociedade do Espetáculo

Guy Debord
Guy Debord

Por Thiago Burckhart, para Desacato.info.

Guy Debord, um grande pensador francês, desenvolveu em 1967 a teoria da sociedade do espetáculo, teoria esta que deu base para a escola situacionista. Seus pensamentos conduziram ao movimento de maio de 1968 na França, sendo este um dos maiores acontecimentos do século XX. A sociedade do espetáculo é uma teoria crítica cunhada por esse autor naquela época, mas que ainda mostra-se muito evidente no mundo contemporâneo, sobretudo em virtude das transformações tecnológicas, culturais e sociais que vivemos nas últimas décadas, o espetáculo mostra-se ainda muito presente em nossa cultura.

A sociedade do espetáculo, segundo Debord, é produto do sistema de produção dominante, que produz a mercantilização da cultura e da vida, ao passo que constrói a “imagem” como símbolo do não-real, como a negação da vida. Nesse sentido, as imagens são manipuladas com o intuito do lucro, criando uma indústria do espetáculo, comprometida com a venda de um modelo de beleza, de modelos e padrões de comportamento pelo qual o ‘parecer’ vale mais do que o ‘ser’. Assim, cria a necessidade das pessoas se afirmarem como imagem, como entidade, como ser que quer ver e quer ser visto, e a partir disso produz os paradigmas de status nesse contexto.

Essa sociedade apresenta-se, portanto, como uma sociedade que idolatra o voyeurismo, pelo qual os indivíduos tornam-se profundamente egocêntricos e individualistas, afinal todos querem seus 15 minutos de fama para poderem afirmar suas aparências e se ‘transportar’ através dos meios de comunicação como imagem, como ser que segue aos padrões de beleza e comportamento. O espetáculo está, portanto, em todos os lugares: no Facebook, na Televisão, na Internet, twitter, entre outros meios de comunicação onde se criam personagens, representações de si mesmo (e não cidadãos), comprometidos com a produção de ‘ilusões’ que repetitivamente reproduzidas, produzem verdades. Aí se vê uma inversão concreta da vida.

O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social mediada por imagens. A imagem é o centro do espetáculo, e por sê-lo, na sociedade do espetáculo seus meios são ao mesmo tempo seus fins, ou seja, a produção da imagem. Fruto do modo de produção operante e dominante, que venda a idéia do prazer pelo consumo, o espetáculo mostra-se como a negação da vida, e se impõe como o modelo atual de vida, sendo quase impossível de se dissociar enquanto indivíduo e mesmo como cidadão dessa imposição. A imagem se impõe a nós como um poder totalitário, que nos persegue em praticamente todos os momentos de nossas vidas, submetendo a realidade à aparência, escondendo aquilo que é real. Não é raro vermos no facebook ou mesmo em outras redes sociais aqueles que tiram fotos de si em diversos momentos do dia e as postam como forma de afirmação pessoal e subjetiva perante toda a sociedade que lhe cerca.

O espetáculo extirpa a capacidade humana de criar, de produzir, de se reconhecer como sujeito político e sujeito de direitos, pois ela nega a história humana, de modo a legitimar o status quo por meio do positivismo. A revolução, seja ela social, cultural, política, econômica, entre outras, será difícil de acontecer em uma sociedade que coloca o ter ou o parecer antes do ser, pois a partir do momento que faz isso, nega a capacidade humana de se organizar enquanto grupo político na reivindicação de direitos, de um novo sistema político, de um novo sistema econômico, de melhorias materiais nas condições de vida de todos.

O espetáculo também se externaliza a partir da indústria cultural que falsifica a vida pela criação de pseudo-desejos. Ela introjeta na sociedade desejos e valores que produzem a idiotização humana, pois ela banaliza a vida e enxerga o ser humano como um simples ‘consumidor’, que consome sem pensar, sem raciocinar, somente com o intuito de satisfazer um desejo criado pelos grandes empresários e publicitários. A pessoa se submete ao controle social, político e econômico produzido pelas grandes elites, que impedem que essa mesma pessoa se veja livre desse modelo de vida, desse modelo de consumo.

Essa teoria mostra-se a cada dia muito viva, apesar de ter sido desenvolvida a quase 50 anos atrás. Ela se mostra muito evidente em virtude da grande massa não saber usar a tecnologia, ou seja, não saber refletir sobre a mesma. A tecnologia deve estar ao nosso serviço, nos ser uma ferramenta útil em nosso dia a dia e também nos dar um leque de possibilidades de ampliar o próprio conhecimento. Contudo, a massa, grosso modo, a utiliza como meio de auto imbecilização, sem mesmo se dar conta disso, vendem-se às grandes necessidades produzidas pelo capital que lhe controlam mentalmente. A tecnologia deve ser usada a partir de um filtro crítico, assim ela ganha ares emancipatórios.

Talvez um filme que tente representar a gravidade da situação que chegamos se chama “Idiocracia”, dirigido por Mike Judge, que descreve a nossa sociedade daqui a 500 anos e mostra como a tecnologia usada de forma incorreta nos imbeciliza. Outra questão fundamental e muito atual é a influência do espetáculo na política hodierna. De fato, nossa política tornou-se um espetáculo, onde vence quem tem sua ‘imagem’ vinculada de forma mais difusa. Não se discutem propostas, não se discutem as questões sociais e econômicas que deveriam estar na pauta dos partidos e dos candidatos e candidatas, simplesmente se cria uma imagem, uma representação do candidato ou candidata e se esquece de todo o resto. Nesse contexto, são poucos os que verdadeiramente lutam por uma sociedade mais politizada.

Nesse cenário, torna-se cada vez mais urgente se discutir publicamente a condição humana, com a vontade de se difundir as teorias críticas de nossa realidade, de modo a instigar o espírito revolucionário no que tange a ordem imposta. Só a partir de uma revolução cultural será possível construir uma nova lógica que refunde a sociedade contemporânea.

Thiago Burckhart é estudante de Direito.

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