Por Thiago Burckhart, para Desacato.info.
O fundamentalismo pode ser entendido como uma forma de compreender o mundo, suas relações e interconexões, a partir de um fundamento único e absoluto. Dessa forma pode-se dizer que existem inúmeros fundamentalismos, de diversas naturezas: econômico, político, filosófico, cultural, dentre outros. Dentre eles, o movimento fundamentalista que mais ganhou projeção no século XX, e ainda se mantém na atualidade, é o fundamentalismo religioso, que cresce em países como o Brasil, alimentado pela crença no seu fundamento máximo: a Bíblia, e numa interpretação literal dela.
Entendido dessa forma, o fundamentalismo assume duas características que são intrínsecas ao seu processo: o autoritarismo e o conservadorismo. O autoritarismo se manifesta no sentido de admitir uma única visão e perspectiva de mundo, calcada em um fundamento absoluto, sem que se admita outras epistemologias e interpretações. O conservadorismo ganha espaço na medida em que essa única interpretação visa a manutenção do status quo, e portanto, das opressões que seguem a lógica hegemônica fundamentalista.
Fundamentalismo e globalização
O mundo hodierno é marcado por profundos intercâmbios culturais, que abrem as portas para o enriquecimento das diversas culturas. Esse processo se coloca como positivo na medida em que contribui para a compreensão do “outro” e de novas formas de sociabilidade. No entanto, ao mesmo tempo que esse processo ocorre, opera também um processo reverso, caracterizado pelo fundamentalismo – em grande medida de cunho religioso. Essa é uma dialética que, como afirma Stuart Hall, marca o nosso tempo.
Apesar desses processos serem, em certo sentido, contraditórios, ambos têm fulcro em racionalidades – por mais irracionais que possam ser. O fundamentalismo assume a faceta de uma razão instrumental, aquela denunciada por Theodor Adorno e Max Horckheimer na Dialética do Esclarecimento, e que impede que o próprio processo de esclarecimento ocorra. Nesse sentido, o fundamentalismo contribui para a perpetuação do estado de ignorância, que é construído com base em preconceitos e falsas concepções.
Fundamentalismo, política e direito
O fundamentalismo – seja ele de qualquer natureza – ainda se torna mais perigoso a partir do momento em que este passa a ganhar projeção na esfera política estatal, ou seja, quando passa a assumir o controle do aparato repressivo do Estado. Nesse contexto, direitos humanos básicos podem passar a ser negligenciados sob uma série de argumentos de cunho fundamentalista, que tentam legitimar essa mesma lógica.
Desse modo, a projeção política do fundamentalismo pode dar sustentação a uma série de retrocessos sociais e no plano dos direitos. O que se observa atualmente com o crescimento de bancadas fundamentalistas (tanto de cunho religioso, quanto econômico) no Congresso Nacional é uma grande possibilidade de haverem retrocessos significativos no âmbito dos direitos humanos. Temas de relevante importância para a sociedade brasileira como a regulamentação da mídia, o casamento homoafetivo, aborto, legalização e regulamentação das drogas, dentre outros, passam a não ser nem mesmo discutidos na “casa do povo”. Enquanto isso, pautas e projetos de lei conservadores entram em cena, como a regulamentação da terceirização, o estatuto da família, a instituição do dia do orgulho heterossexual, a redução da maioridade penal, dentre outros.
Além disso, problemas econômicos profundos tanto no plano nacional quanto internacional deixam de fazer parte da discussão política, como uma profunda reforma tributária e taxação de grandes fortunas. O fundamentalismo opera nessa esfera no sentido de negar a própria política (sendo, portanto, uma anti-política), pois impede que determinadas pautas sejam discutidas ao passo que outras (que são de seus próprios interesses) ganham relevância, o que é um verdadeiro contrassenso.
Desse modo, combater o fundamentalismo significa abrir o espaço para a discussão, tanto no plano político quanto no cultural, no intuito de desconstruir os fundamentos edificados, sendo um passo na consolidação da democracia, no reconhecimento da alteridade e da construção de um processo cultural dialógico.
Thiago Burckhart é estudante de Direito.