Sobre heranças da ditadura civil-militar no Brasil

ditadura GPor Glauco C. Marques, para Desacato.info.

A ditadura civil-militar no Brasil foi imposta com um golpe em 1964, depondo pela força um governo eleito pelo voto popular e instaurando um regime de censura, tortura e assassinatos. O golpe foi planejado com a participação do empresariado nacional e estrangeiro, grandes proprietários rurais, a direita da igreja católica e teve financiamento e articulação direta dos EUA. Na atualidade, a herança deste período que durou vinte e um anos, pode ser resumida no seguinte:

  • As Forças Armadas tem um status diferenciado de outras instituições do Estado Brasileiro. Elas tem caráter semelhante ao de um quarto poder da República, recebendo um tratamento e tendo uma relação especial com o poder Executivo. Esta relação e status precisam ser alterados, colocando as Forças Armadas como instituição efetivamente subordinada ás instâncias civis.
  • A ideologia que norteia a doutrina das escolas de formação dos militares nas três armas e nos quartéis está blindada quanto a interferência das instâncias civis. As Forças Armadas atuam com autonomia nessa área. É outra relação que precisa ser alterada.
  • A tortura enquanto medida repressiva do estado, remonta ao período da escravidão. Mas no período da ditadura foi aplicada aos opositores do regime em níveis profissionais nunca antes praticados. Portanto, considerando este contexto mais recente da história brasileira, o fato da tortura estar hoje institucionalizada nas delegacias e prisões, está ligada diretamente a impunidade dos torturadores do período da ditadura civil-militar. Responsabilizar e punir quem neste passado recente (1964-1985) praticou estes crimes em nome do Estado, é condição para resolver este problema.
  • As polícias militares continuam a existir como forças auxiliares das Forças Armadas. Uma instituição militar é concebida para a guerra e não para tratar com a população. E é exatamente por isso que a extinção das polícias militares é necessária.
  • A arrogância e prepotência presentes na atitude individual de grande parte dos policiais militares em todo país, deriva da doutrina que lhes ensina serem pessoas dotadas de autoridade, superiores aos cidadãos comuns, e portanto, que não estão sujeitas aos mesmos deveres. Este status de pretensa autoridade de qualquer um que use farda foi muito valorizado no período ditatorial. Isto remete a alteração da doutrina das escolas militares.
  • Os militares das Forças Armadas ou das Polícias Militares, estão sujeitos a uma Justiça Militar, e não a Justiça a que todos os cidadãos estão submetidos. Existe a Justiça Militar, o Superior Tribunal Militar e a legislação autoriza a criação da justiça militar estadual e do Tribunal de Justiça Militar, este só nos estados com efetivo militar superior a vinte mil integrantes. Uma Justiça Militar pode ser algo justificável apenas em período de guerra. A constituição pós ditadura alterou muito pouco esta parte da estrutura da justiça brasileira e em função disso, a extinção da Justiça Militar é outro pré-requisito fundamental para o exercício das liberdades democráticas no Brasil.
  • Outra herança não superada é a prática que alguns governantes tem, no caso de demandas de movimentos sociais, de colocar militares (das Forças Armadas ou Polícias Militares) como negociadores, inclusive comandantes das tropas que fazem a repressão destes mesmos movimentos. Mesmo quando há negociação, embora estejam presentes representantes do governo como secretários de estado ou diretores e presidentes de empresa, é comum os militares serem chamados a participar. O setor militar é um órgão do aparato repressivo ou de segurança, subordinado ao poder civil. Não tem como função negociar direitos ou demandas sociais, nem definir como os movimentos podem se manifestar. Os governantes que assim agem, colocando como representante quem não tem prerrogativas para tanto, tem o claro objetivo de intimidar e colocar obstáculos nas negociações. 

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