Por Francisco Fernandes Ladeira.
No domingo do Dia das Mães, resolvi comprar a edição do Jornal O Globo. Como bom adepto do impresso, que, ao contrário de seu similar online, nos oferece a chamada leitura profunda, folheei o periódico da família Marinho esperando mais do mesmo. Ou seja, aquela velha linha jornalística favorável aos interesses da classe dominante e do imperialismo.
De fato, o editorial apresentou o título “Corrigir salário mínimo acima da inflação é armadilha”. Também não poderia faltar aquela cutucada tradicional no presidente Lula. Nesse caso, em relação à sua visita a Moscou.
Direcionamento ideológico à parte, encontrei matérias interessantes sobre coaches mirins, influenciadores católicos, marcas da perseguição religiosa no século XX e o aumento do número de cuidadores de idosos como reflexo das mudanças demográficas no Brasil.
Eis que, na página 3, duas colunas interessantes me chamaram bastante a atenção.
No artigo “Quando a esquerda vai voltar a ter pautas próprias?”, o professor de Humanidades, Daniel Medeiros, questiona algo que também venho apontando ultimamente. Trata-se da falta de agenda própria do campo progressista brasileiro.
Segundo o docente, a polêmica vazia da vez é a suposta camisa vermelha da seleção brasileira, que boa parte da esquerda passou a apoiar somente para irritar os bolsonaristas (os espantalhos que a direita tradicional utiliza para distrair e desviar o foco da esquerda).
“A esquerda fica empolgada com essa peraltice da CBF porque perdeu o rumo de sua própria narrativa […] Será que acabaram as pautas? Estaremos mesmo com nossos problemas todos resolvidos e nos resta apenas ficar arengando com os bolsonaristas, respondendo às provocações deles?”, afirmou Medeiros.
O outro artigo, ainda mais ousado em seu conteúdo, intitulado “Sozinha no mundo” é assinado por Dorrit Harazim, colunista fixa do jornal.
A autora aborda a geopolítica palestina. Mas, ao contrário de seus patrões, enxerga a questão a partir do olhar do povo palestino. A autora chama o que acontece na Palestina por seu devido nome: genocídio. Acusa os Estados Unidos de apoiarem a erradicação da vida civil em Gaza, enquanto Reino Unido e França se esquivam para não parecer cúmplices. Dos “países-irmãos” árabes muçulmanos, pouco a esperar.
Além disso, pergunta: para que serve o colossal aparato militar russo exibido na Praça Vermelha se ninguém, ali, é capaz ou está interessado em salvar uma única criança a minguar em Gaza?
Encerrando seu texto, Dorrit Harazim alerta que é horrendo que continuemos a assistir calmamente ao estrangulamento do povo palestino. Gaza está sozinha no mundo. Solidariedade não basta para mudar a história.
Será que o espírito de Dia das Mães tomou conta da redação? Não só de desinformações vive O Globo? Infelizmente, os dois artigos aqui citados são apenas oásis progressistas em um deserto conservador.
Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.