Sobre as relações entre grande mídia e extrema direita. Por Francisco Fernandes Ladeira.

Por uma dessas ironias da vida social brasileira, quando a Rede Globo adotou a agenda woke (uma suposta defesa das minorias) também passou a dar combustível aos discursos fascistas.

Por Francisco Fernandes Ladeira.

Extrema-direita e “direita tradicional” (a quem a grande mídia atende) são duas faces da mesma moeda; defendem os interesses do capital, por vias distintas. Há uma máxima marxista que aponta ser o fascismo a “carta na manga” que o sistema capitalista possui quando a democracia burguesa já não é mais suficiente para manter os lucros dos grandes capitalistas. O fascismo também é uma forma de neutralizar movimentos de esquerda entre os trabalhadores. Em muitas ocasiões, essa empreitada é bem-sucedida. Não por acaso, discursos de extrema-direita – com suas soluções simples para problemas complexos e criações de bodes expiatórios para explicar determinados contextos adversos – têm forte capilaridade no proletariado.

No caso do Brasil, o sequestro das chamadas “Jornadas de Junho de 2013” pelos setores conservadores (o que inclui, naturalmente, a mídia hegemônica) é um marco para a atual construção de discursos que demonizam a esquerda. Para engrossar aquelas mobilizações e direcioná-las para um viés antipetista, permitiu-se a participação de todo tipo de obscurantismo ideológico. Assim, discursos anacrônicos, que muitos, inclusive, tinham vergonha de externar (ou, no máximo, manifestavam em fóruns na internet) foram ressuscitados e puderam sair do esgoto, como os pedidos de intervenção militar e a associação entre PT e comunismo.

Na época, como era conveniente, a grande mídia deu palco para esse pessoal. Basta lembrarmos que Olavo de Carvalho, talvez o principal expoente desses discursos estigmatizados e delirantes sobre a esquerda (veja conceitos como “globalismo” e “religião biônica mundial”), foi entrevistado no programa “Conversa com Bial”, da Rede Globo.

Voltando ainda mais no tempo, é importante citar quando a Folha de São Paulo, em 2009, divulgou uma falsa ficha criminal da então ministra da Casa Civil do governo Lula, Dilma Rousseff. Um excelente “argumento” para associá-la ao “terrorismo comunista”.

Além disso, nos noticiários internacionais da mídia liberal, há os chavões repetidos ipsis litteris pela extrema-direita, como “Maduro ditador”, “Hamas terrorista” e “grupo extremista Hezbollah”.

Já por uma dessas ironias da vida social brasileira, quando a Rede Globo adotou a agenda woke (uma suposta defesa das minorias) também passou a dar combustível aos discursos fascistas. A demagogia com a diversidade na programação da emissora Marinho fez com que indivíduos de extrema-direita passassem a acusar a Globo de “comunista” (haja vista que, conforme o que acreditam ser o “gramscismo cultural”, a esquerda quer destruir os valores da família tradicional). Nessa realidade paralela, ser “comunista” (e de esquerda, de maneira geral) não é mais defender trabalhador na luta de classes, mas subverter os costumes.

Como dito no início deste texto, mídia e extrema direita são duas faces da mesma moeda, em defesa do “deus capital”. É claro que, como em toda relação, há pontos divergentes. Porém, em questões essenciais, como as defesas neoliberalismo e do imperialismo, a concordância é total.

Lembrando o conceito freudiano de “narcisismo das pequenas diferenças”, há uma forte tendência em ressaltarmos e prestarmos mais atenção nas discordâncias entre os agrupamentos humanos (mesmo que sejam mínimas) ao invés das aproximações. Logo, quando se fala em “grande mídia” e “fascismo”, cria-se a impressão de um falso antagonismo.

Infelizmente, setores da esquerda caem nessa ilusão, e compram a narrativa de “resistência ao fascismo” por parte da mídia. Acreditam que devem formar uma frente ampla com a direita tradicional para derrotar o fascismo no Brasil.

Apesar de inúmeras matérias denunciando a “internacional fascista”, a GloboNews, por exemplo, está longe de ser “antifascista” (haja vista seu apoio antecipado a candidatura do “bolsonarista moderado” Tarcísio de Freitas para a presidência da República em 2026).

Há também certa conveniência nessa relação. Mídia e fascistas podem se aliar em determinados momentos; e se afastar um pouco em outros. Ambos se retroalimentam quando estamos falamos em antipetismo, submissão a agenda externa imperialista e menor atuação do Estado na economia. Na época dos noticiários inflamados sobre a farsesca Operação Lava Jato, os fascistas, começando a sair do armário, vibravam a cada edição do Jornal Nacional. Quando a Globo, que apoiou Bolsonaro em 2018, ensaiou uma suposta oposição ao governo do ex-capitão, virou “Globo Lixo”.

Evidentemente, o recrudescimento do fascismo é um fenômeno multifacetado, causado pela crise econômica, ressentimento de parte da população, acesso às redes sociais ou mesmo ineficiência da esquerda em oferecer caminhos para a classe trabalhadora.

Mas não há como deixar de mencionar o papel dos veículos de comunicação de massa nesse triste quadro. Basta lembrarmos como Bolsonaro, com seus discursos fascistas, era “normalizado” na mídia. Quando um parlamentar, em pleno Congresso Nacional, elogia a memória de um torturador da ditadura militar, e não há, em contrapartida, uma repulsa generalizada por parte dos jornalistas do mainstream, temos algo muito errado em nossa imprensa. Como bem sintetizou o presidente Lula: “plantaram Aécio e estão colhendo Bolsonaro, subproduto do ódio”. Agora, convenientemente, fingem não ter nada a ver com isso.

Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.

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