Por Francisco Fernandes Ladeira.
Sou de um município do interior de Minas Gerais, onde duas oligarquias dominam a política local, seja exercendo diretamente o poder, seja governando por meio de prefeitos “fantoches”. Também têm amplo domínio sobre o legislativo.
O atual prefeito é um desses “fantoches” (e, cumprindo sua função ideológica, não se apresenta enquanto tal). Integrante de uma das alas mais reacionárias da Igreja Católica, a Renovação Carismática, ele foi eleito na onda bolsonarista. Inclusive, já chegou a postar um vídeo nas redes sociais em que “denunciava” os “perigos” de se ensinar “ideologia de gênero” nas escolas.
Com o fracasso do bolsonarismo (o “mito” teve menos votos que Lula no município), ele deixou um pouco a linha conservadora e passou a uma postura estilo “prefeito de Colatina”, com toda aquela demagogia de um político que supostamente “põe as mãos na massa”, “anda no meio do povo” e “compartilha seus feitos nas redes sociais”.
No entanto, ele não comprou o combo completo de “prefeito de Colatina”. Não se preocupou em fazer o tipo “cortar verbas de festas para investir em saúde”, por exemplo.
Pelo contrário, também incorporou, com êxito, o personagem “prefeito festeiro” (com direito a suspeitas de promoção pessoal indevida, segundo o Ministério Público). “Perseguido pelo sistema”, dizem seus seguidores, lembrando os “argumentos” bolsonaristas.
Com esse histórico de enganações, além do apoio velado das oligarquias locais e daqueles que usufruem dos clássicos “cabides de emprego na prefeitura”, não é de se espantar que ele seja franco favorito à reeleição. Até aí, em se tratando dos rincões das Alterosas, nada novo debaixo do sol.
Porém, o que mais tem chamado a atenção é que parte considerável do eleitorado não sabe que há outros dois candidatos no pleito (um deles, à esquerda). Em plena era da comunicação instantânea, acreditam que o atual prefeito é “candidatura única”.
Para tentar compreender essa situação, devemos abandonar o âmbito local e refletir sobre algumas mudanças na legislação eleitoral no Brasil.
A primeira grande alteração diz respeito à diminuição do período de campanha eleitoral. Atualmente, 45 dias; outrora, o dobro do tempo.
Um mês e meio é tempo insuficiente para um candidato apresentar suas propostas ou mesmo se fazer conhecido dos eleitores. Assim, quem já é conhecido da população, tem maior presença nos meios de comunicação tradicionais e/ou está com a máquina pública em mãos, larga bem na frente dos adversários.
Além da diminuição do período de campanha, há a restrição de propaganda política; não só o esvaziamento do tradicional horário eleitoral gratuito, como também a proibição de outdoors, showmícios, colocar faixas em determinados lugares, etc.
Infelizmente, grande parte da esquerda, a partir do argumento “menos poluição visual nas cidades”, também comprou esse discurso.
Ora, não devemos ser ingênuos. Todo tipo de modificação nas regras eleitorais sempre favorecerá aos candidatos mais poderosos (ou que atendam aos interesses dos poderosos).
Com o tempo exíguo de campanha e limitações de propaganda política, podemos entender o porquê de, no município onde moro, boa parte dos eleitores acreditar que “só há um candidato”.
Além disso, não por acaso, muita gente tem relatado ter a impressão de que não tivemos um clima de eleições nos últimos dias, o que só favorece aos anteriormente citados candidatos conhecidos da população, com maior presença na mídia e/ou com a máquina pública.
E não vou nem me aprofundar sobre outras questões “antidemocráticas”, como a enorme burocracia para formar um partido político no Brasil (negando a muitos setores de nossa sociedade, principalmente aqueles ligados às causas populares, o direito de formar sua organização partidária) e a “Lei da Ficha Limpa”, que concede a juízes (e não ao povo) a prerrogativa de decidir quem será ou não elegível.
Evidentemente, não precisa ser um grande teórico marxista para saber que a chamada “democracia burguesa” não tem nada de democrática. Mas, nos últimos anos, essa “democracia” tem sido menos democrática ainda.
Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
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