Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.
Na continuação da série sobre alienação e saúde será abordado, nessa semana, o terceiro aspecto da alienação: a alienação do homem em relação à espécie humana. Aspecto especial na interpretação dos impactos da alienação sobre a saúde, pois ele é um aspecto central na compreensão da dominação capitalista e do sofrimento psíquico que toma dimensões alarmantes nos dias atuais.
Os homens, no modo capitalista de produção da vida, produzem como átomos dispersos, ignorantes da sua própria espécie, não podendo cumprir assim a função de mediação entre homem e natureza, pois essa condição transforma os trabalhadores em coisas, em objetos que participam de um processo produtivo apenas. A consciência em voga não ultrapassa os limites do indivíduo, alimentando o culto à privacidade e à idealização de um indivíduo abstrato, desprovido de classe, um sobrevivente desamparado que precisa lutar contra tudo e todos.
A identificação da essência humana como mera individualidade empobrece a vida, aniquila com a importância da vida em sociedade e fundamentalmente retira as possibilidades de organização para a superação do capitalismo. Mais do que isso, a individualidade exige para a vida apenas meios de subsistência, excluindo as formas especificamente humanas (sociais) de autorrealização enquanto ser genérico, membro de um grande grupo que tem a sociabilidade como componente fundamental da sua vida.
+ Sobre a alienação em saúde 2
Essa alteração na compreensão do homem compromete a relação dele consigo, pois no isolamento, no não pertencimento a uma espécie que sofre das mesmas questões (opressão, desemprego, problemas de alimentação, habitação, etc.) com suas singularidades fragiliza o trabalhador e o deixa acoado, portanto mais fácil de ser controlado e subjugado na medida que o capital desejar.
A atividade produtiva alienada se desvia propositadamente da sua função primeira que é a de mediação entre ser humano e natureza. Ao fazer isso, esse aspecto da alienação faz com que o indivíduo isolado seja absorvido pela coisas e se transforme em uma coisa, seja portanto reificado.
Dessa forma, é fundamental a valorização do coletivo e das coletividades, desde as mais organizadas até as mais simples para que em um movimento de resistência não sejamos sugados para o mundo das coisas e nos tornemos inertes, inaptos para a luta. Mas mais do que isso, para que nos mantenhamos vivos e mentalmente saudáveis.
Afinal, a tristeza, a depressão, o sentimento de perda de sentido na vida é bastante comum no mundo contemporâneo, o que pode ser percebido com o elevado número de intervenções médicas por meio de medicamentos para que as pessoas não sintam a dor do desamparo. Essa tristeza profunda tem alcançado dimensões incríveis no número de suicídios constatado hoje no mundo inteiro. O que antes era um evento de exceção torna-se uma rotina mundial que alcança desde os ricos até os miseráveis. Tirar a própria vida tem sido uma alternativa individual para cessar o sofrimento, mas que não transforma a realidade social e mantem a sociedade em sofrimento.
Não estou aqui a propor a cura da depressão e do sofrimento psíquico por meio da mobilização social, mas asseguro que a organização política coletiva, associada ao estudo rigoroso e à solidariedade de classe, podem trazer esperança, luta e a transformação social para a realidade da vida da classe trabalhadora. E é por meio desse horizonte histórico, que demanda paciência e formação política é que podemos viver melhor e derrubar o capital. As saídas individuais são sedutoras, mas não se sustentam. Vamos à luta.
—
Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.