Por Raquel Rolnik.
Quem nunca passou a receber sistematicamente anúncios de um determinado produto depois de fazer uma busca por ele na internet? Agora, imaginem essa mesma tecnologia aplicada à gestão de cidades?
As chamadas smart cities são uma tendência ao redor do mundo. O que está por trás disso é a ideia de usar a tecnologia para melhorar a gestão das cidades e aumentar a eficiência dos serviços a partir da manipulação e da gestão da chamada Big Data, massa de informações que são produzidas pelos próprios cidadãos conectados, em suas ações cotidianas, gerando uma enorme quantidade de dados sobre o que elas compram, onde vão, em que lugares consomem, que serviços usam, etc.
A questão é: esses dados são reunidos e interpretados por quem? E com qual objetivo?
Em cidades onde o modelo já é adotado, os dados são monopolizados empresarialmente. Ou seja, empresas pagam para ter acesso a eles e os usam basicamente para vender coisas. O lucro de empresas como IBM ou Cisco, envolvidas nesse negócio, está menos na remuneração de um serviço e mais no uso e mercantilização das informações geradas por ele.
No Projeto de Lei do Plano de Desestatização (PL 367), enviado à Câmara Municipal pela Prefeitura de São Paulo, está prevista a concessão do sistema de bilhetagem eletrônica. O grande valor desse negócio é justamente a quantidade de informações que é possível obter, em tempo real, sobre o deslocamento das pessoas que vivem em São Paulo. Empresas poderiam, por exemplo, direcionar anúncios de uma determinada rede de varejo para o celular de todas aquelas pessoas cujo GPS informasse que ela está passando de ônibus próximo de uma loja da rede.
O conhecimento sobre esses dados deve servir apenas para que novos produtos possam ser ofertados ou eles podem servir para o empoderamento cidadão? O tema da propriedade dos dados é central para definir para que e para quem eles servirão.
Hoje, mais e mais organizações e movimentos têm lutado em torno do tema dessa propriedade. Uma iniciativa da União Europeia – DECODE – apoia experiências onde pessoas, coletivos e comunidades tenham a propriedade sobre seus dados e possam fazer uso deles de forma autônoma, garantindo seu bem-estar.
Sem dúvida, esse é o cerne da questão: para que sirva aos cidadãos, de fato, é imprescindível que a propriedade desses dados seja pública e que todos possam acessá-los. Ou, como é outra direção desse mesmo movimento, que os cidadãos deixem de compartilhar suas informações com esses sistemas de gestão.
Falei sobre esse assunto na minha última coluna na Rádio USP, que vai ao ar, ao vivo, todas às quintas-feiras, às 8h. Ouça aqui.