Por Xandra Stephanel, para RBA.
Quando a música Só Surubinha de Leve foi lançada pelo funkeiro carioca MC Diguinho, logo viralizou nas plataformas de streaming e chamou a atenção de muita gente para o fato de que fazia abertamente apologia ao estupro com a frase “Taca bebida/ Depois taca a pica/ E abandona na rua”. Chocadas com a violência da letra, as publicitárias Carolina Tod, Nathália Ehl, Rossiane Antunez e Lilian Oliveira resolveram se unir para debater como a música “retrata e reflete o quanto nossa sociedade caminha a passos lentos com relação ao respeito à mulher enquanto indivíduo”. Foi assim que o grupo criou o projeto MMPB – Música Machista Popular Brasileira.
“Antes do MMPB surgir, existia a vontade de fazer um projeto pessoal criativo. Somos um grupo de quatro mulheres publicitárias, e queríamos usar nossa criatividade e habilidades pra criar algo 100% nosso. Sendo assim, juntamos as cabeças e resolvemos criar um projeto feminista, causa que acreditamos e lutamos todos os dias. Essa inquietação ficou mais aguçada com a polêmica da música Só Surubinha de Leve, então nos reunimos e resolvemos dar destaque para outras músicas de outros tantos gêneros que também são machistas. A ideia é mostrar pra pessoas como a mulher é retratada de forma bem questionável na nossa música há muito tempo. As letras são sintomáticas de uma sociedade sexista”, declaram as publicitárias por e-mail.
O site expõe músicas de vários estilos cantadas por homens e mulheres, com letras escancaradamente machistas e outras que trazem o sexismo enrustido, flagrado nas entrelinhas. Além de funk, há sertanejo, samba, bossa nova, rap, axé, entre outros gêneros músicais. Ao clicar no botão “Dá um shuffle”, o site apresenta uma música aleatória, com letra, vídeo, uma explicação do porquê a faixa é problemática e, em alguns casos, links para matérias, informações sobre violência contra a mulher e ferramentas de conscientização.
É possível sugerir a inclusão de músicas brasileiras sexistas de todos os tipo. A lista é grande e traz também ícones históricos da Música Popular Brasileira, como Cartola (Vou Contar Tintim por Tintim) e Noel Rosa (Mulher Indigesta), Dorival Caymmi (Marina), Vinicius de Morais (Formosa) e, é claro, o clássico Ai Que Saudade da Amélia, em que Ataulfo Alves eterniza uma referência feminina altamente negativa: “A ‘mulher Amélia’ acabou virando uma ‘referência’ na sociedade. A Amélia virou uma persona considerada um tipo de mulher desejada, uma vez que era do tipo que cuidava dos afazeres do lar como ninguém. Na letra, os autores deixam claro que, Amélia só era mulher de verdade porque sua vaidade era inexsitente. Afinal de contas, naquela época uma mulher muito vaidosa não era tão bem vista”, aponta o texto que acompanha a música.
“Acreditamos que o sentimento de ‘choque’ é muito presente não só quando percebemos que gostamos de música machista mas também quando percebemos que já reproduzimos alguns desses pensamentos machistas. Estamos o tempo inteiro reparando e identificando coisas que antes passavam despercebidas, e lidar com isso faz parte do processo. O choque é inevitável, mas deles estamos tirando análises que de alguma forma estão nos paramentando para continuar lutando a favor de uma sociedade mais igualitária”, afirma o grupo.
A intenção do site é uma só: “provocar reflexão. O que essas músicas têm em comum? Por que essas músicas incomodam – ou deveriam – incomodar muito mais?”, questionam na apresentação do projeto. “Acreditamos que a partir do momento que as pessoas tomam consciência do machismo e a misoginia presentes nas canções, elas também conseguem levar isso para os outros campos da vida em sociedade. Quando se identifica esse tipo de discurso sexista, fica muito mais fácil identificar e combater o machismo no dia a dia”, declaram.
Visite o site: www.mmpb.com.br