Sininho: a mídia e os tradutores da polícia

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Por José Ribamar Bessa Freire.

27/07/2014 – Diário do Amazonas

Terroristas liderados pela badalante Sininho planejavam tocar fogo no Rio de Janeiro e fazer do Maracanã uma gigantesca fogueira junina para impedir a realização da Copa do Mundo 2014. O plano diabólico foi descoberto a tempo pela Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI) que identificou os incendiários, decodificou suas mensagens em linguagem cifrada e prendeu a quadrilha, impedindo a transformação do Rio numa Faixa de Gaza. Está tudo gravado pela Polícia.

Foi com base nessas gravações registradas no inquérito policial que o ínclito juiz da 27ª Vara Criminal, Flávio Itabaiana, determinou a prisão dos vândalos. Com estardalhaço, a mídia detalhou o esquema do terror, que consistia em incendiar o prédio da Câmara Municipal, matar policiais, fabricar bombas e explosivos caseiros, quebrar bancos, atacar estádios e até desmoralizar a seleção brasileira, contando com a leniência do Felipão e o financiamento de algumas entidades, como os sindicatos de professores, de petroleiros e da saúde (Sepe, Sindpetro e Sindprev) do Rio.

Como é que soubemos de tudo isso? Autorizada pelo juiz, a polícia grampeou telefones e começou a monitorar emails dos terroristas há mais de um ano. As mensagens gravadas aparentemente inocentes mencionavam “livro”, “caneta”, “aula”, “apostila”, “caderno” e “prova”. O Serviço de Inteligência da Polícia desconfiou dos grampeados, alguns deles professores ou estudantes: “Eles sabiam que estavam sendo monitorados e, por isso, passaram a chamar coquetéis molotovs de ‘pisca-pisca’ ou ´drinques’; bombas de ‘livros’; e ouriços  de ‘canetas’. ” (O Globo 21/7).

Tá ligado?

Os nossos sherlocks queimaram a mufa, mas qual Champollion com a Pedra de Roseta decifraram a linguagem esotérica usada pelos ativistas, embora por razões de segurança nunca revelaram seu método. O resultado está no relatório de duas mil páginas, mantido prudentemente inacessível aos acusados e a seus advogados, mas escancarado aos jornais que divulgaram mensagens dos vândalos. Bendito o país cujas instituições – Policia, Judiciário e  mídia – se unem em defesa da ordem pública!  O Taquiprati acessou o relatório por telepatia e registrou o seguinte diálogo:

Camila Jourdan (ativista, professora da Uerj) – Oi, Bom Dia. Não esquece que hoje tem prova, leva pra aula livro, caderno e caneta.

Igor D Icarahy –  Tou ligado. Hoje vai fazer calor.

Camila – Depois da aula, a gente toma uns drinques no bar. 

Mensagem estranha, muito estranha, não é  não? Uma leitura ingênua, ao pé da letra, não percebe que os dois estavam planejando quebrar bancos e tocar fogo em caixas eletrônicos. Mas os brilhantes tradutores da polícia sacaram que bom dia =  bomba diasfixia; prova = enfrentamento com a polícia; aula = passeata, enquanto bar = agência bancária, fazer calor, evidentemente, significa tocar fogo, tou ligado é vou à manifestação e caneta é mesmo ouriço, aquela peça feita de vergalhões e pregos usada nos protestos. Era dessa forma que os baderneiros se comunicavam.

Faltava identificar a origem da bufunfa, “o ouro de Moscou” dos velhos tempos, que hoje é negado pelo Putin, um mão-de-vaca. Com destemor, O Globo denunciou em letras garrafais “A Conexão Sindical” que financia os manifestantes com “dinheiro, transporte, carro de som e alimentação“. Registrou telefonema em que “Sininho pede a um integrante do Sepe cem quentinhas para um ato“. (22/07). Informou ainda que “Sininho liderou a organização das manifestações, não apenas no Rio, mas também em Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS). Também tinha a função de arrecadar e distribuir recursos”(21/07).

Este alerta à pátria foi sem dúvida alguma uma contribuição corajosa da inteligência policial e do Globo, que divulgou declarações do candidato a presidente da República, Aécio Neves, apoiando firmemente a prisão dos baderneiros, o que serviu para desviar o debate sobre o tema secundário do aecioporto construído na fazenda de seu tio com recursos públicos.

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O outro lado

O que O Globo não revelou, mas nós soubemos através de leitura mediúnica do relatório policial, é que a ação de Elisa Quadros, a Super-Sininho, não se limitou à presença aos mesmo tempo nas três capitais mencionadas, mas foi ela que originou o misterioso “apagão” por seis minutos da seleção brasileira no jogo contra a Alemanha. Acontece que o movimento “Não vai ter copa”, quando se viu derrotado mudou o objetivo para “Não vai ter hexa”. Tem um telefonema antes do jogo contra a Colômbia de Sininho para o Capitão Gancho, codinome do zagueiro Zuñiga:

SininhoCompañero, acuerdate de las FARC. Dale leña en la tercera vértebra, que me encargo de hablar con  el gran rey de España.

Capitão Gancho Tranquilo, Campanita! Su merced puede confiar. No te olvides de mi “calentita”.

Zuñiga recebeu a “quentinha” das mãos da própria Sininho, a Campanita,  e em seguida fez o que todo mundo viu na televisão. Depois disso, disfarçada com óculos escuros, Sininho, a fada da baderna, entrou sorrateiramente na Granja Comary, em Teresópolis, onde desestabilizou psicologicamente todos os jogadores da seleção brasileira. Sua presença teria sido facilitada pelo “gran rey de España” que segundo as técnicas clássicas de criptografia usadas pela Polícia seria nada mais nada menos que Felipón.

Ou você acredita nesta última história, ou não leva a sério nenhuma delas. Há quem ache que se trata de invenção, esquecendo que a Polícia do Rio tem uma tradição de leitura de intenções delituosas. No Arquivo Nacional, no Fundo Polícia da Corte, encontrei um documento que registra a prisão de um índio, em 1831, por “estar numa atitude de quem estava pensando em roubar“. Embora não tenha conseguido ler as intenções,  entre outros, dos assassinos da dona do Restaurante Guimas, a Polícia usou seu faro para prender, pelo menos, quem estaria pensando em fazer baderna.

O desembargador Siro Darlan foi um dos que não caiu nessa conversa e concedeu habeas-corpus liberando os presos, no que contou com o apoio de várias instituições como OAB, ABI, Anistia Internacional, Justiça Global, Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM) e Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP).

– A ordem de prisão, baseada em ilações e conjecturas, carece de fundamentação legal – sentenciou o desembargador. Para ele, “a prisão cautelar é medida excepcional que deve ser decretada apenas quando aparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência”. Desmoralizou assim as interpretações fantasiosas de grampos telefônicos consideradas pura xaropada e o depoimento à polícia da única testemunha, uma fofoqueira preterida pelo namorado, que teve enorme espaço nos jornais.

Os ativistas, já em liberdade, acham com razão que a mídia reproduz relatórios policiais sem qualquer senso crítico. Em troca do acesso, às vezes com exclusividade, de dados protegidos por “segredo de justiça”, os jornais publicam como verdades acabadas as versões policiais, sem checar com outras versões e sem ouvir o outro lado. Em consequência, acabam criminalizando os movimentos sociais e negando o direito à livre manifestação.

Não se coloca ninguém no paredão sem chance de defesa. A mídia não publicou uma única linha, sequer uma só palavra, com explicações dos acusados, tratados como criminosos, mas que podem ser vistos também como “jovens que, embora se possa discordar dos seus métodos de atuação política, acreditam em um país melhor“, como quer o advogado Patrick Mariano.

Preciso saber o que a mídia me negou, ou seja, o que minha colega da UERJ tem a dizer sobre as acusações da Policia, porque se “livro” for mesmo “bomba” para incendiar bancos, quero manifestar meu desacordo, ainda que reconheça que há livros que são verdadeiras bombas. Mas se “livro” for apenas “livro”, quero somar meu grito ao dela. Afinal, até onde sei, quem quebrou bancos não foi a Sininho e a Camila. Foram  banqueiros como Daniel Dantas, Ângelo Calmon de Sá, Edemar Cid Ferreira, Carlos Eduardo Schahin, acusados de fraudes e evasão fiscal, todos eles em liberdade e que tiveram amplo direito de defesa com espaço na mídia.

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