Parece existir um consenso de que quando se trata de trabalhos burocráticos e administrativos, a simplificação destes vem na maioria das vezes, servir beneficamente aos usuários e aos responsáveis.
Nas chamadas sociedades simples (se é que ainda existam), tais como tribos e comunidades que não vivem nosso estilo de vida industrial (essa é uma explicação diminutiva do tema) as relações sociais são regidas por um grupo de fatores e regras menores, ainda que não menos simbolicamente atuantes.
No entanto, como podemos presenciar em nosso cotidiano, nas sociedades complexas, somos regidos por infindáveis demandas sociais de comportamento, muitas vezes nos vemos obrigados a simplificar nossas vidas para “dar conta” dessas demandas.
Segundo a importante semióloga Mariana DiStefano, uma das maiores praticas sociais nesse sentido, é a simplificação discursiva dos temas que abordamos,que transforma os significados das mensagens que nos chegam, o que podem representar benefícios e malefícios de acordo com o contexto. (este último resultado, em geral tem como razão o ocultando da falta de conhecimento). Como exemplo contrário do mencionado primeiramente, nada melhor que as campanhas eleitorais para identificarmos tal fato.
É possível analisar os discursos de alguns candidatos, que trataremos de não mencionar por questões éticas. Um dos candidatos mais importantes pró-governo recentemente enunciou que apóia a União Nacional dos Estudantes e seu reclamo de investimento de 10% do PIB (com recursos que viriam provenientemente da exploração do Pré-sal). Porém o mesmo não explica em nenhum momento como pretende apoiar, que idéias têm para com tal tema. Simplesmente afirma ser favorável e discursa sobre a importância da educação para sociedade, e isso num discurso longo. Vale destacar que nos protestos realizados pela UNE, em nenhum momento tal candidato esteve presente física ou simbolicamente, ao contrário setores de seu governo trataram de ignorar e dispersar as manifestações sem que houvesse uma proposta oficial e real.
Mas tais argumentações não são exclusivas dos que atualmente tem o poder, em outro discurso, de um importante candidato da oposição, este diz apoiar a aplicação de softwares livres na administração pública. Qualquer iniciante no assunto identifica que o mesmo pouco ou nada sabe do tema, pois, além de não mencionar as vantagens financeiras e sociais do mesmo, se quer menciona que a comunidade brasileira de Software livre está em reclamo permanente há meses para com o governo atual, que mudou de tática em relação ao anterior nesse setor, especialmente em relação à implementação da tv digital e serviços de bancos públicos, tendo como provas nítidas, um edital de milhões de reais para o pagamento de licenças privadas, do mais importante banco estatal brasileiro e a retirada dos diretos de creative commons (que permite cópia e distribuição de obras intelectuais e artísticas de direito autoral cedidos) dos Ministérios de Educação e Cultura. Não seria essa uma boa demanda argumentativa, para quem defende o assunto e se diz oposição?
O premiado antropólogo Alejandro Grimson, em sua obra “Los límites de la Cultura” afirma que “A simplificação não somente acalma angústias coletivas, mas também estimula os egos individuais”. (tradução literal).
No contexto que tratamos, podemos identificar que, quando ouvimos simplificações nos discursos, sobre os processos sociais que influenciam nossas vidas, especialmente nossa qualidade de vida, entramos num jogo de retórica, somos coletiva e subjetivamente acalmados, e que os discursos tornam-se passo a passo uma exaltação do emissor do discurso em si, como tática de associá-lo aos nossos desejos, que passam a serem “adormecidos” diante da força e empolgação das palavras. Os discursos atuam como remédio momentâneo, simulando a satisfação desses desejos demandatários.
A simplificação é uma tática discursiva potente, que cria e desarticula nossas subjetividades sobre as coisas e sobre as pessoas. Um dos mais reconhecidos sociólogos brasileiros em todo mundo, Emir Sader, após anos identificando as conquistas do que será conhecido no futuro como “Era Lula”, recentemente foi duramente criticado por parte da base política que apóia, por ter escrito que há um grave problema de “simplificação do processo democrático” do Estado Brasileiro, identificou pontos em que afirma que houve conquistas nesse sentido, mas que o essencial, a reforma política do Estado, do modelo de política e de justiça, permanece no esquecimento. A simplificação do que são modelos de maior participação virou “arma discursiva” e vem progressivamente perdendo espaço de práxis política.
Já o especialista em Políticas Públicas e economista Paulo Kliass nos alerta sobre a simplificação do que denominamos privatização do público, que embora feita de forma diferente dos governos anteriores, setores e obras de financiamento público controlados por setores privados, não deixam de serem uma “privatização do setor público”, uma vez que usados os recursos estatais, as obras finais são disponibilizadas ao setor privado. No entanto contamos com uma publicitária campanha discursiva simplicista em pró do desenvolvimento estatal, que se supõe contrária ao de décadas anteriores.
A tomada de consciência cívica, do que tipo de sociedade que queremos criar e perpetuar torna-se essencial para separarmos “joio do trigo”, ou melhor, o discurso da prática, para isso, ler, contrastar informações e refletir, ou seja, des-simplificar (esse termino não existe em português, mas tem sentido de reverter o processo de simplificação das coisas, tornar complexo) são caminhos mais importantes que discursos e ideologias no processo político civilizatório, e neste caso tem como inimigo íntimo a inércia e preguiça.
Fica claro que, embora cômodo e mais fácil, nem toda simplificação representa benefícios em nossas vidas, pois adormece em vez de despertar nossos desejos.
Victor José Caglioni. Sociólogo. Universidad Nacional General San Martín. Buenos Aires. Argentina.