Respire fundo, abra o peito e pare de pensar. Pare de pensar, só por alguns instantes, nas dezenas de tarefas que você deve fazer hoje, nas outras tantas que você deveria ter feito ontem, nos e-mails não respondidos, nas tarefas domésticas, na lista de contas para pagar (sempre maior), na conta bancária (sempre menor), nos desencontros amorosos, nas confissões da Xuxa, na conquista do Corinthians e nos sarrafos do Anderson Silva. Pare tudo porque Sharon Stone está em Santa Catarina.
A atriz americana de 54 anos, protagonista da mais sensual cruzada de pernas da história do cinema, foi vista flanando por Balneário Camboriú, cidade a 87 km de Florianópolis. Bem disposta, sem reumatismo ou resfriado, ela está acompanhada do filho de cinco anos e do namorado argentino de 27.
O tour da estrela tem sido monitorado, de forma intensiva, pelo maior jornal do Estado. Não se fala em outra coisa. Algumas pessoas reclamam da sisudez dos jornais, do amontoado de tragédias impressas todos os dias, sem descanso e sem consideração com a sensibilidade do leitor. Tudo isso mudou com a visita inesperada de Sharon Stone.
Com ela, o cotidiano, o banal, transformou-se em algo extraordinário. Para dar uma ideia, o prestigiado jornal, em sua versão digital na sexta-feira passada, presenteou os leitores com a seguinte chamada: “Sharon Stone come côngrio grelhado, batata sotê, arroz com nozes e limpa o prato”.
Imagino o editor ou repórter escrevendo isso, sentindo-se um Joseph Mitchell, nos bons tempos da The New Yorker. Finalmente, o jornal oferece ao leitor uma notícia que o deixa mais feliz e radiante, mais orgulhoso de si mesmo e, acima de tudo, mais seguro para tocar a vida. Sim, a musa também come e também limpa o prato. Senhoras e senhoras, Sharon Stone dá indícios palpáveis de que é humana.
Para corroborar esta tese, depois do almoço, ela e o namorado, ainda segundo a reportagem do jornal, “sentaram-se à beira-mar, com os pés na areia, sem serem incomodados, enquanto Quinn (o filho) brincava perto da água”.
Tudo isso está no jornal. Mas ele, o jornal, omitiu duas reveladoras ações cometidas pela atriz. Uma fonte, que preferiu manter o anonimato, afirma ter visto Sharon Stone com os pezinhos aconchegados na areia, palitando os dentes – como um bom e honesto peão. E, se não bastasse, enquanto fazia sua higiene bucal ao ar livre, ela teria soltado um estrondoso e inequívoco arroto. “Extremamente erótico”, segundo a análise insuspeita da nossa testemunha ocular.
Sim, Sharon Stone também arrota, assim como você, estimado leitor, admirável leitora, porém, diferentemente de você, ela o faz a céu aberto. Mas ela pode. Ela é Sharon Stone.
A fonte diz que o repórter do jornal, escondido numa moita, também teria escutado o arroto. Mas isso ele não iria publicar, porque jornalismo, ora bolas, é coisa séria, jornalismo é serviço pautado por assuntos de interesse público e, mesmo tratando-se de Sharon Stone, tudo tem limite. É preciso ter modos, afinal.
Hoje em dia, como se sabe, não há mais limite entre jornalismo e entretenimento, entre reportagem e opinião, entre informação e fofoca. Sempre achei isso ruim. Não acho mais porque, se é para continuar não informando, melhor mesmo é que esta não-informação venha acompanhada de um pouco de poesia.
Se você não for um ranzinza, há de concordar que a cena de Sharon Stone com os pés na areia, ao lado do namorado, observando o filho que brinca à beira-mar, é de uma poesia tremenda. “O povo quer circo”, argumenta o jovem editor. “E se o circo estiver pegando fogo, melhor ainda”, ensinam os manuais.
Mas os manuais, estimado leitor, estimada leitora, não entendem das coisas nem dos homens. O povo não quer incêndios, o povo quer poesia. A repercussão das matérias sobre a visita de Sharon Stone é uma prova evidente. Não há conflitos, nem traições, nem fofocas escabrosas, apenas uma família tranquila curtindo férias à beira do Oceano Atlântico.
Certamente o texto ficaria melhor se o repórter tivesse incluído as palitadas nos dentes e o arroto, duas ações poéticas e reveladoras. Não há nada mais contundente para humanizar uma pessoa, mesmo um mito do cinema, do que vê-la arrotando.
De qualquer forma, as notícias sobre a visita de Sharon Stone são uma pausa na mesmice, um instante de beleza, um alento em meio a tanta coisa chata e desimportante publicada nos jornais.
Foto: Parque Unipraias