Por Raul Fitipaldi.
Joan Manuel Serrat i Teresa nasceu em 27 de dezembro de 1943. Filho de Ángeles Teresa e do anarquista Josep Serrat, fez 70 anos. Nada mais lhe contarei dele. Hoje, diferentemente de quando começou a evangelizar-nos, você pode procurar mais informações na internet. Navegar até Serrat é ir além do efêmero, do aparentemente útil, remando longe daquela poesia, música ou arte em clave menor. Joan Manuel é um dos maiores mestres da poesia e da música contemporânea; também da canção militante. Sua qualidade é inimitável e roteiriza mais de 40 anos de ação. Portanto, nada de biografias, você pode achar informação por si.
Quero falar de Serrat a partir de mim. Esse eu além do jornalismo e da política, o eu pessoa, pequeno, ora feliz, ora triste, casado e descasado. O eu que busca sabedoria mínima há décadas, a necessária para andar, para não fazer(se) dano a ninguém; a nada que vivo em corpo ou memória precise ser condenado ao amor, a defesa apaixonada, à dor da perda, ao abraço do reencontro, ao brinde da despedida, à rica pobreza do afazer austero e belo das coisas cotidianas que acendem e amassam o Outro Mundo Possível. Então, falo de Serrat como professor de literatura, história, geografia, sociologia e política, todas matérias pedagogicamente contadas com delicada partitura e rica entonação.
Nos anos 70, talvez em 2014 siga igual, quando você está dodói d’alma ou do corpo, quando está sozinho sem vocação nem ofício, se faltou ou sobrou o dia, a cama, além de descanso é a camarada propícia para virar a data e tentar mudar a direção das brisas. Para tais ocasiões era prudente escutar “El Nano Serrat”. O botãozinho do rádio na mesinha de cabeceira consumava o milagre. Nas solidões dos 80,90, 2000, tudo transcorreu assim. SERRAT, sempre de maneira maiúscula, continuava ensinando em diagonal à cama. Enchia-me de conhecimento do qual, reconheço, pouco consegui aproveitar apesar do esforço. Entre ditadura e neoliberalismo, a voz catalã (em espanhol e em catalão também) foi se tornando uma voz de resistência da América Latina, do México até a Patagônia. Lotou e ainda abarrota teatros, estádios, avenidas, e captura públicos de todas as gerações. O que diz Serrat é inteligente, pleno, lúcido, intenso e venenoso para os ditadores, as multinacionais e os moralistas. O que canta Serrat é interpretação e anseio, fascínio e angústia, desejo e construção das maiorias, na Espanha miserabilizada de Rajoy e na América Latina esperançosa de Evo, Eva e Hebe.
São tão raros os trovadores que não viraram a casaca, que mantiveram coerência, saúde mental, beleza artística. Tão poucos os capazes de apaixonar homens, mulheres, jovens e velhos de latitudes tão esparsas, de tão variado pelo e tinte. Joan Manuel foi tão capaz de tirar fronteiras onde os invasores espanhóis as colocaram, que poderia, perfeitamente, considerar-se uma das figuras chaves na união da nossa Pátria Grande. Serrat catalão de Poble Sec, no distrito de Sants-Montjuïc, parece ter nascido em qualquer bairro da Nossa América.
E, para abreviar, devo dizer que sem Joan Manuel Serrat, todos meus amores teriam sido inferiores, todos meus pobres talentos, miseráveis, e todas minhas tarefas cotidianas algo mudas, dissonantes e cheias de névoas. Serrat é esse cara que me trouxe luz na escuridão das ditaduras, a quem hoje agradeço por ter me formado em tudo aquilo, que nem escola nem universidade se deram ao trabalho de me instruir: amor, fraternidade, solidariedade, paixão, um relativo bom gosto, e claro, LIBERDADE.
Imagem tomada de: www.elmundo.es