Serrano: Lei que tipifique crime em manifestação é antidemocrática

“Sou contra leis em geral que objetivam tipificar ou agravar crimes cometidos em manifestações de rua”, afirma Serrano. “Não tem sentido tipificar mais um crime! Além de não funcionar, interfere no direito de as pessoas se manifestarem.” “A imensa maioria não vai para as manifestações para praticar crimes, vai para exercer a sua cidadania”

Por Conceição Lemes.

Jurista Pedro E. Serrano
Jurista Pedro E. Serrano

A trágica morte do repórter cinematográfico Santiago Andrade, atingido por rojão durante protesto no Rio de Janeiro, fez com que, imediatamente, vários projetos de lei relacionados a manifestações de rua entrassem na agenda política.

Em 12 de fevereiro, dois dias após o falecimento de Santiago, José Mariano Beltrame, secretário da Segurança do Rio de Janeiro, foi à reunião da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, entregar minuta de projeto que tipifica desordem como crime (abaixo, na íntegra). Em fins de novembro do ano passado, Beltrame já a havia levado ao ministro de Justiça, José Eduardo Cardozo.

No mesmo dia 12, o projeto de lei que visa regulamentar atos de terrorismo entrou na pauta do plenário do Senado e pode ser votado a qualquer momento.

Nessa terça-feira, o ministro Cardozo disse que, até o final desta semana, deve apresentar à Casa Civil da Presidência da República um projeto para regulamentar as manifestações de rua e confirmou o agravamento de penas para crimes cometidos nesses atos. A Agência Brasil noticiou:

Ele [Cardozo] confirmou que irá propor um endurecimento das penas aplicadas aos condenados por crimes previstos no Código Penal que forem cometidos durante protestos, como os que, desde junho de 2013, tomaram as ruas das principais cidades do país.

“Há certos delitos que estão [tipificados] no Código Penal, mas que estão ocorrendo em manifestações lícitas, praticados por pessoas que desvirtuam os atos para danificar o patrimônio público e privado, lesionar [outras pessoas] e, agora, lamentavelmente, cometer homicídios. Por isso, estamos discutindo uma elevação das penas para esses casos. Ou seja, um agravamento da pena”, disse Cardozo ao explicar que o principal objetivo do projeto de lei será disciplinar dispositivos legais, como o que proíbe o anonimato em manifestações populares.

De acordo com Cardozo, o projeto deverá ser encaminhado ao Congresso Nacional em regime de urgência para que seja aprovado e possa entrar em vigor “o quanto antes”. O ministro explicou que a iniciativa não pode ser confundida com uma tentativa de limitar o direito à liberdade de expressão ou de reunião.

O jurista Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é contra qualquer lei que atinja as manifestações de rua. Em princípio, contra inclusive à que o governo federal venha lançar.

“Sou contra leis em geral que objetivam tipificar ou agravar crimes cometidos em manifestações de rua”, afirma Serrano. “Não tem sentido tipificar mais um crime! Além de não funcionar, interfere no direito de as pessoas se manifestarem.”

Isso não significa que ele seja contra a punição de abusos. “Crimes cometidos durante manifestações têm de ser punidos, sim”, frisa. “ Só que, no Brasil, já temos leis suficientes para isso. Não vai ser criando mais uma lei que se vai coibir abusos.”

No Brasil, lembra o professor, tem-se a mania de criar leis sempre que há uma comoção na sociedade. Seja por oportunismo, seja para tentar criminalizar o teu opositor do momento. “Isso não funciona, por isso tantas leis não saem do papel”, argumenta.

“Tem de se agir preventivamente, portanto, antes que os crimes aconteçam”, defende. “Isso implica ação policial preventiva, de inteligência, e não na base de cassetetes, bombas de efeito moral, balas de borracha ou de verdade.”

“São ações de inteligência policial capazes de identificar os que cometem delitos e puní-los pelos crimes e não porque estão numa manifestação”, observa.

Serrano cita os black blocs, que se autotitulam uma tática e não um grupo. Acontece que os agentes da prática são os mesmos. Assim, de fato, são um grupo.

Frequentemente, alguns – não são todos!– partem para a violência.

“Tem de se identificar os que costumam partir para o quebra-quebra, observá-los e, se praticarem qualquer tipo de crime – desde destruição de patrimônio público ou privado até ferimentos em alguém –, puní-los isoladamente e não criminalizar todos os membros do grupo”, atenta Serrano. “Em todos as atividades humanas há pessoas que cometem crimes. Não é por isso que vou criminalizá-las.”

“A imensa maioria não vai para as manifestações para praticar crimes, vai para exercer a sua cidadania”, finaliza o professor Pedro Serrano.

“Qualquer lei que tipifique ou agrave o crime pelo fato de ele ser praticado em manifestação é, em princípio, antidemocrática.”

Em tempo. Para Serrano, todo artefato que contiver pólvora deve ter seu uso sujeito a controle estrito do Estado, devendo ser comprado e utilizado apenas por pessoas devidamente credenciadas.

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Minuta do projeto de lei que tipifica o crime de desordem do secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, entregue ao ministro José Eduardo Cardozo e ao Senado

LEI Nº , DE DE 2013.

TIPIFICA OS CRIMES DE DESORDEM E O DE ASSOCIAÇÃO PARA PRÁTICA DE DESORDEM E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º – Os artigos 287-A e 288-B, ambos do Código Penal, passarão a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 287-A – Praticar ato que possa causar desordem em lugar público ou acessível ao público, agredindo ou cometendo qualquer ato de violência física ou grave ameaça à pessoa; destruindo, danificando, deteriorando ou inutilizando bem público ou particular; invadindo ou tentando invadir prédios ou locais não abertos ao público; obstruindo vias públicas de forma a causar perigo aos usuários e transeuntes; a qualquer título ou pretexto ou com o intuito de protestar ou manifestar desaprovação ou descontentamento com relação a fatos, atos ou situações com os quais não concorde.

Pena – reclusão de 2 a 6 anos e multa, além e sem prejuízo das penas correspondentes à violência.

§ 1º – Nas mesmas penas incorre quem incitar, publicamente, às praticas descritas no caput.

Formas qualificadas

§ 2º – Se o crime é cometido:

I – Por ocasião de reuniões ou manifestações públicas;

II – com emprego de substância inflamável ou explosiva, além e sem prejuízo das penas aplicáveis por crimes mais graves que a posse e o uso de tais substâncias possam caracterizar.

III – ocorrendo saques, subtração ou apropriação de bens, públicos ou privados, sem prejuízo das penas aplicáveis aos autores de tais atos, quando identificados.

IV – Se a incitação é praticada utilizando meios eletroeletrônicos que facilitem a divulgação da incitação, tais como rádio difusão, televisão, internet, sistema de alto-falantes ou congêneres.

V – atingindo bens de interesse histórico, artístico ou paisagístico.

Pena – reclusão de 3 a 8 anos e multa, além e sem prejuízo das penas correspondentes à violência e ao mencionado nos incisos II e III acima.

§ 3º – Se resulta lesão corporal de natureza grave

Pena – reclusão de 4 a 10 anos e multa, pela simples participação nos atos de desordem, sem prejuízo das penas cabíveis aos autores dos atos que tenham causado as lesões, quando possível identificá-los.

§ 4º – Se resulta morte

Pena – reclusão de 6 a 12 anos e multa, pela simples participação nos atos de desordem, sem prejuízo das penas cabíveis aos autores dos atos que tenham causado a morte, quando possível identificá-los.

(…)

Art. 288-B – Associarem-se três ou mais pessoas, em caráter eventual ou permanente, para a incitação ou a prática de atos de desordem, vandalismo ou qualquer forma de violência, a serem cometidos durante a realização de concentrações populares, seja a título de manifestações ou de eventos de qualquer natureza, onde tais concentrações sejam previamente agendadas ou estiverem ocorrendo.

Pena – reclusão de 3 a 6 anos e multaArt. 163-B – Associarem-se, três ou mais pessoas, em caráter eventual ou permanente, para a prática de atos de vandalismo.

Pena: Reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa, além e sem prejuízo das penas cominadas no art. 163-A e seus parágrafos acima.”.

Art. 2º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, em de de 2013.

Dilma Rousseff

Exposição de Motivos

Considerando que dentre os princípios que regem e garantem o funcionamento do Estado Democrático de Direito ganha especial destaque a liberdade de expressão e de reunião e que, em consequência, são de vital importância as medidas assecuratórias ao exercício pleno de tal liberdade.

Considerando que tais direitos, para que possam contribuir na construção de uma sociedade livre, justa, solidária e igualitária, só podem ser exercidos com integral obediência aos cânones da Paz Pública, insculpidos na Carta Constitucional, com destaque, entre outros, para os incisos IX, XV e XVI do seu art. 5º, ou seja, na forma da lei, de forma pacífica e sem armas.

Considerando o amplo noticiário recente, evidenciando a prática reiterada de atos de vandalismo, com consideráveis danos a bens públicos e particulares, bem como ameaças graves e ofensas diretas à integridade física de pessoas inocentes, civis e policiais, aproveitando-se tais pessoas, para a prática dessas ações, de manifestações legítimas e pacíficas, acabando por causar graves temores aos manifestantes ordeiros e assim prejudicando o direito da maioria de exercer plena e livremente seus direitos de expressão e reunião pacíficas.

Considerando que tais condutas ofendem, simultaneamente, vários bens jurídicos relevantes, tais como a paz e a incolumidade públicas, o patrimônio público e particular, o livre exercício pelos cidadãos de bem dos seus direitos de expressão e reunião, como destacado acima, dentre outros.

Considerando, por fim, que tais ações vêm sendo promovidas por grupos de pessoas que se organizam previamente, ainda que eventualmente ou em caráter permanente, o que torna maior a ameaça de tais condutas à paz e à ordem desejadas.

Toma-se a iniciativa de apresentar o presente projeto de Lei, propondo a alteração do Código Penal, para nele introduzir a tipificação de DESORDEM e atividades correlatas, ressaltando que tal iniciativa já encontra similar no direito comparado, inclusive na codificação europeia.

Fonte: Viomundo

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