Série de ações de magistrados contra a Gazeta do Povo visa intimidar e não obter justiça, diz ANJ

Gazeta do Povo reportagemA Associação Nacional de Jornais (ANJ) qualificou como lamentável e contrária aos princípios da liberdade de expressão e de imprensa a série de ações por danos morais movidas por magistrados contra o jornal Gazeta do Povo, do Paraná, e cinco repórteres do veículo por causa de uma reportagem publicada em fevereiro que revelou os rendimentos dos membros do Judiciário e do Ministério Público do estado. “O jornal simplesmente praticou jornalismo ao publicar fatos incontestáveis, sem qualquer sinal de calúnia ou difamação, e, portanto, está claro que as ações dos juízes não visam obter justiça, mas sim constranger e onerar o jornal, uma vez que os processos foram abertos em diversas comarcas”, disse o diretor executivo da entidade, Ricardo Pedreira. Ele ponderou que todos têm o direito de procurar a justiça na defesa de seus interesses, mas que neste caso os magistrados não estão zelando pela liberdade de imprensa nem pelo direito das pessoas ao acesso à informação de interesse público. “Estão mais preocupados com o corporativismo, quando deveriam defender o interesse das pessoas, e isso também é muito prejudicial ao jornalismo”, afirmou.

Em nota pública, a ANJ reafirmou que a iniciativa conjunta, em diferentes locais do Paraná, tem o claro objetivo de intimidar, retaliar e constranger o livre exercício do jornalismo. Também considerou como lastimável “que juízes se utilizem de forma abusiva da Justiça, não com o intuito de reparar danos, mas de limitar o direito dos cidadãos a serem livremente informados”. No comunicado, a entidade disse esperar que o próprio Poder Judiciário corrija essa distorção e assegure ao jornal,  aos seus repórteres e aos seus leitores o pleno direito à informação, garantido pela Constituição.

O caso assemelha-se à enxurrada de ações contra a Folha de S.Paulo, em 2008, quando a então repórter especial Elvira Lobato foi processada por dezenas de fiéis da Igreja Universal por uma reportagem sobre o patrimônio da organização. Na época, lembrou o diretor executivo da ANJ, foi usada uma expressão que caracterizava bem a intenção dos demandantes daqueles processos e que pode ser aplicada no caso que, agora, envolve o jornal A Gazeta do Povo: litigância de má-fé. Os processos contra o diário A Gazeta do Povo e seus jornalistas foram abertos em diferentes cidades paranaenses no Juizado Especial, que aceita causas de pequeno valor (até 40 salários-mínimos) e obriga os profissionais a comparecerem a todos as audiências de conciliação para não serem condenados à revelia. A reportagem que motivou as ações mostrou que o rendimento médio de juízes e integrantes do Ministério Público no Paraná, em 2015, superou o teto constitucional (de R$ 30.471,10) em mais de 20%.

Como reação, os juízes já ingressaram com 36 ações e os promotores, com duas, contra o jornal e os profissionais. Numa mensagem enviada para o grupo de WhatsApp da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), o presidente da entidade, Frederico Mendes Junior, diz, logo após a publicação da reportagem, que está “providenciando um modelo de ação individual” para os associados irem à Justiça se considerarem “conveniente”. Segundo o diretor de redação de A Gazeta do Povo, Leonardo Mendes Júnior, as ações são “idênticas”. “Na prática, eles (os profissionais) já estão condenados com a pena de não conseguir exercer a profissão”, disse o diretor do jornal. Os jornalistas ficam até quatro dias da semana sem trabalhar para irem às audiências. “Já percorremos mais de 6 mil quilômetros pelo estado, às vezes saindo correndo de uma cidade para dar tempo de dormir no meio do caminho e chegar na outra audiência no dia seguinte a tempo de não sermos julgados à revelia”, contou Rogério Galindo, um dos alvos das ações.

O jornal ingressou no Supremo Tribunal Federal com pedido para que o caso seja julgado na Corte, já que as ações são apreciadas por juízes citados na reportagem, o que configuraria conflito de interesse. A ministra Rosa Weber negou o pedido. Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também repudiou a retaliação.

Fonte: ANJ.

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