Por Marcelo Zapelini, para Desacato.info.
O homem, como um instrumentista desafinado na orquestra da natureza, prejudica a vida nos biomas. Essa metáfora do biólogo Ademir Reis, doutor em biologia vegetal e professor titular da UFSC, demonstra os efeitos nocivos da atividade humana.
Ele explicou, na sessão especial da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, ontem à noite, 06, que os biomas (conjunto dos seres vivos de uma área) dependem das boas relações dos seres vivos com o solo, a água e o ar. “Todos têm que cumprir o seu papel. Se eu não cumpro o meu papel, a natureza desafina. O homem tem que aprender a viver em concertação ”, apontou o professor.
Mas o que faz o homem? “Toda poluição é lançada nos meios receptores do planeta”. Ou seja: no ar, na água e no solo.
“Fico extremamente preocupado quando as pessoas dizem: ‘a água da torneira é limpinha’. Alguém vê a química dessa água? Não vê”, alertou o professor. Ele explicou que a água suja de barro as evitam beber, mas, o verdadeiro mal é aquele invisível feito pela indústria.
A apresentação esteve no contexto da homenagem do poder legislativo à Campanha da Fraternidade promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cujo tema é: “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida”, que acontece durante a quaresma (período de quarenta dias entre o Carnaval e a Páscoa cristã).
Representantes da Igreja Católica, de governos e de movimentos sociais, lotaram as galerias e ouviram do professor Reis o óbvio ignorado na vida cotidiana: não só água é vítima da falta de saneamento básico e do modelo agrícola capitalista, é também o solo.
“As grandes indústrias internacionais têm que garantir matar tudo que é praga”. Apenas um detalhe: “não existem pragas na natureza, mas seres que precisam conviver”. Quando esses seres se tornam resistentes aos agrotóxicos, mais agressividade é acrescentada aos produtos químicos, que destroem o solo. “Não existe coisa ruim na natureza, nós é que introduzimos coisas ruins quando queremos produzir o máximo na agricultura”, disse.
O Brasil é o maior consumidor e agrotóxicos no mundo. Pior para os nossos biomas, pois dependem de uma condição básica: a conectividade. “Há uma estrutura extremamente interligada em todos os setores e quando você rompe um setor você desagrega tudo”.
A busca pelo lucro a qualquer preço tem como cúmplices algumas religiões. “Os povos politeístas veem na natureza diferentes formas de deuses. Nós monoteístas não aprendemos a ver isso. Nós aprendemos que a natureza é para explorarmos de qualquer jeito”. É o tipo de fé que remove biomas.
O povo luta
O representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Nauro José Velho, que, pelo MST, recebeu uma homenagem em forma de placa, disse para a reportagem da Desacato que reforma agrária, crédito rural, assistência técnica e pesquisa poderiam ajudar a preservação dos biomas. “Buscamos produção agroecológica nos assentamentos, mas, para ampliarmos precisamos de políticas públicas. A pesquisa agropecuária está muito voltada para as grandes empresas do agronegócio”, avaliou.
Para ele, a discussão sobre a reforma agrária em diálogo com a Campanha da Fraternidade é interessante para se analisar a origem da degradação ambiental no campo. “O modelo capitalista de monocultura vai destruir violentamente os biomas”, previu.
Também foram homenageadas outras organizações, como o Movimento dos Atingidos por Barragens, Movimento das Mulheres Camponesas e a Revolução dos Baldinhos, uma gestão comunitária de resíduos orgânicos sincronizada à prática de agricultura urbana, em Florianópolis.
Todos eles enfrentam esse dragão de várias cabeças: o capitalismo, que ataca os biomas com sua forma desequilibrada de agricultura, pecuária, mineração, exploração da madeira. Seu jeito de expandir as cidades, destruindo o que estiver no caminho, através da especulação imobiliária também merece combate urgente.
O deputado estadual Padre Pedro Baldissera (PT), alertou para esse óbvio: “a especulação coloca em primeiro lugar o lucro dos empreendimentos e em último lugar a vida de milhares e milhares de pessoas”. Para enfrentar o problema, ele sugeriu o fortalecimento e a criação de Conselhos Municipais do Meio Ambiente. Com eles e com outras iniciativas, para se discutir mudanças na produção e no consumo, é possível “promover a cultura do bem viver”.
Pecadores, convertei-vos
O presidente do regional catarinense da CNBB, dom João Francisco Salm, alertou que a defesa do meio ambiente começa dentro de cada pessoa com “uma verdadeira conversão ecológica”.
É essa a esperança da Igreja neste período de penitência em que os católicos se propõe a mudar de vida.
Os convertidos terão uma missão urgente, os catarinenses, em particular. O bioma Mata Atlântica, o único que ocorre no estado, perde anualmente cerca de 1% de sua área remanescente. É segundo bioma mais ameaçado do planeta. É, também, um dos mais ricos.
Presente em outros 16 estados, do Piauí ao Rio Grande do Sul, possui mais de 20 mil espécies de plantas (7,2% do total mundial), 263 espécies de mamíferos (5,2%), 963 espécies de aves (9,5%), 475 espécies de anfíbios (8,6%), 306 espécies de répteis (3,7%) e 350 espécies de peixes de água doce (3,1%). Só existem de Mata Atlântica reservas em Santa Catarina, que possuiu 29% da sua área original, Paraná e São Paulo.
O Brasil é formado por seis biomas de características distintas: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal.
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Fotos: Assessoria de imprensa do deputado Padre Pedro.