Por Juliana Gonçalvez, para Revista AzMina.
O veto contra a distribuição de absorventes gratuitos foi derrubado e o presidente Lula decretou, no dia 8 de março de 2023, a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. E, agora, acabou a Pobreza Menstrual?
Seria um sonho lindo se a pobreza menstrual fosse resolvida apenas com a doação de absorventes. Mas a verdade é que ela engloba muito mais.
“Pobreza menstrual é um conceito que reúne em duas palavras um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional, vivenciado por meninas e mulheres devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação.”
Estamos falando de uma questão que puxa outras. Nesse texto, escolhi abordar três dos principais problemas sociais no Brasil que têm tudo a ver com menstruação: o primeiro e mais urgente é a falta de acesso à água tratada. São milhões de brasileiras e brasileiros com esse direito negado. Já imaginou menstruar por cinco dias sem água limpa? Adicione aí a gravidade de não ter descarga, saneamento básico, e ainda dividir o banheiro com muitas pessoas (o terror das profissionais da saúde e educação).
O segundo ponto é a falta do papel higiênico. Talvez você nunca tenha parado para pensar, mas papel higiênico é caro demais. É um item que não falta só nas casas de pessoas em vulnerabilidade social, como também nas escolas, universidades, unidades de saúde e vários outros locais públicos. Além disso, é algo que não vem na cesta básica. Na verdade, itens de higiene raramente são lembrados. (Se você puder, doe itens de higiene a quem precisa.)
Por último e o mais polêmico: a falta de informação. A menstruação é um tabu antigo alinhado à vergonha, sujeira. Nessa hierarquia, mulheres são inferiorizadas, pessoas trans e não binárias, invisibilizadas. Vivemos na era da informação, mas milhões de pessoas são analfabetas menstruais. Algumas por medo de entender o corpo, outras por medo de serem repreendidas ao tocar no assunto, ou por simplesmente não encontrarem informações de qualidade disponíveis.
Se você menstrua e ainda acha que essa é uma realidade distante, tenho uma notícia para te dar: você provavelmente já viveu ou viverá alguma situação de pobreza menstrual. A não ser que você seja uma pessoa muito rica e que não saia de casa quando está menstruada.
Eu nunca estive em situação de vulnerabilidade social, mas posso citar várias experiências ligadas à pobreza menstrual. Na minha menarca, não recebi nenhuma instrução familiar ou escolar. Quando eu cursava administração em período integral na universidade pública não havia papel higiênico, trabalhei em ações sociais em periferias e ilhas, onde não havia descarga e água, e já tive momentos horrorosos em banheiros públicos de rodoviárias e parques.
Você pode até estar pensando: “mas você não podia esperar chegar na sua casa?” Não, eu não podia. Porque menstruação não é algo que eu possa controlar e dizer: “útero, querido, por favor, você pode ter um fluxo baixo durante o trabalho e deixar ele intenso só quando eu estiver em casa?”
Trabalho para mostrar que esse tema é importante para todas, todes e todos. Pois sim, é essencial que pessoas não menstruantes se envolvam no assunto. Ele diz respeito a quem implementa políticas públicas, quem toma decisões administrativas, estabelece políticas de recursos humanos, quem tem irmã, tia, mãe, filha, sobrinha, colega, parceira.
Respondendo à pergunta de forma categórica: sim, ainda existirá pobreza menstrual, apesar do Programa de Dignidade Menstrual. Não sou contra ações assim. Pelo contrário, elas são excelentes oportunidades para que a educação menstrual – que é muito mais que distribuição de absorventes – chegue às escolas, universidades e espaços públicos. Torço para que esse assunto seja melhor entendido, porque importa a vários outros desafios sociais.
Precisamos continuar firmes no combate à pobreza menstrual. A luta não acabou!