Ser mexicano é voltar da morte a cada 2 de Novembro

Oferta do Dia dos Mortos na Ciudad de Puebla. Foto: Ana Rosa Moreno.

Por Ana Rosa Moreno, Puebla, México, para Desacato.info.

Fotos: Ana Rosa Moreno.

Tradução: Elissandro dos Santos Santana.

Esta semana não lhes falarei de nossos problemas porque, casualmente, ocorre o período no qual adoramos a morte e, por ela, refiro-me a esta homenagem que fazemos àquelas pessoas que já não estão nesta vida, porém, que deixaram uma marca inapagável em nossos corações.

Nossa celebração é uma mistura de tradições pré-hispânicas com as crenças católicas trazidas da Espanha. Com o tempo, fomos acrescentando nosso toque. Cabe destacar que apesar da influência do país que está acima de nós, o Halloween não conseguiu fazer com que nossas celebrações desaparecessem. De fato, fortaleceu-se mais e, hoje em dia, vemos a meninos e meninas e, também, a adultos vestidos de Catrina. Explicar-lhes-eis cada elemento característico dessa celebração com a finalidade de que conheçam um pouco de nossa cultura. Os elementos são a oferta, a visita ao cemitério, os crânios e Catrina.

Como já mencionei, nossa celebração tem origem na era Pré-hispânica onde se acreditava que quando alguém morria, nesse momento, começava sua viagem até o Mictlán (o reino dos mortos). Para chegar lá o morto tinha que viajar durante quatro dias e ao chegar onde os senhores do Mictlán, Mictlantecuhtli (senhor dos mortos) e sua companheira Mictecacíhuatl (senhora dos moradores do recinto dos mortos), devia entregar-lhes ofertas. Estes senhores o enviavam a uma das nove regiões na qual o morto permanecia em período de provação de quatro anos e, somente assim, podia continuar sua viagem no Mictlán até chegar ao último andar onde poderia obter o descanso eterno.

Foto: Ana Rosa Moreno
Foto: Ana Rosa Moreno

Os enterros Pré-hispânicos eram acompanhados por objetos que haviam sido utilizados em vida e objetos que poderia necessitar em seu caminho ao Mictlán.

Foto: Ana Rosa Moreno
Foto: Ana Rosa Moreno

As antigas civilizações do México não diferenciavam entre o paraíso e o inferno; nossos antepassados acreditavam que, de acordo com o tipo de morte e comportamento seria a área destinada a descansar.

Foto: Ana Rosa Moreno
Foto: Ana Rosa Moreno

Exemplos: se morriam afogados ou com algo relacionado à água se dirigiam ao paraíso de Tláloc (Tlalocan); os mortos em batalha, os cativos abatidos ou as mulheres que morriam no parto se dirigiam ao paraíso do Sol (Omeyocan) onde Huitzilopochtli o Deus da guerra governa; os que morriam de maneira natural iam ao Mictlán e as crianças mortas iam ao Chichihuacuauhco, lugar no qual existiam árvores que gotejavam leite pelos ramos e lhes serviam como alimento.

Com a chegada dos espanhóis e dos europeus à América, no México se introduziu a crença do paraíso como prêmio e o inferno como castigo, a conquista e a introdução das crenças católicas mudaram drasticamente nossos costumes já que se importaram costumes da Espanha, da Roma Antiga, da França da Idade Média mais os costumes dos povos indígenas do México de acordo com a região; e assim é atualmente desde o dia 28 de outubro até o dia 2 de novembro, o país se veste de laranja e roxo, cheira a resina de copal, as Catrinas percorrem as ruas e por todos os lados há celebrações e homenagens para quem já viveu, porém que nestas datas nos visitam.

Nas casas, é costume colocar um altar ou oferta onde a comida, as bebidas, as fotos, as flores e os doces preenchem o espaço para receber o espírito de quem nos visita. Antes as ofertas eram de vários níveis, porém, atualmente, existem pequenas e grandes e com diferentes elementos.

O que encontramos em uma oferta?

O essencial é ocupar uma mesa ou um espaço com diferentes níveis onde o elemento principal é a imagem do falecido ou os falecidos.

Uma cruz, símbolo introduzido pelos evangelizadores espanhóis.

Copal e incenso. O copal é um elemento pré-hispânico que serve para purificar as energias do lugar ou de quem o usa; santifica o ambiente.

Papel cortado colorido usado para enfeitar a oferta dá um toque festivo.

Foto: Ana Rosa Moreno
Foto: Ana Rosa Moreno

Velas para iluminar seu caminho de ida e volta

Flores que servem para decorar o altar e o sepulcro; as flores que utilizamos são as de cempaxochitl que em sua tradução em náhuatl significa flor de 100 folhas; são de cor amarela e segundo a tradição asteca evocam o sol e servem para guiar a alma do defunto. Também é habitual utilizar as pétalas para fazer um caminho da entrada da casa até o altar.

Foto: Ana Rosa Moreno
Foto: Ana Rosa Moreno

Dos doces da estação, os mais famosos são as caveiras doces ou de chocolate que nos fazem lembrar que nossos mortos se encontram presentes, porém, também, há doces com forma de cruz, de túmulos, de coroas de flores, de frutas e se distribuem por todo o altar. Também se coloca o doce de abóbora que é deliciosíssimo.

Caveiras de doce. Foto: Ana Rosa Moreno
Caveiras de doce. Foto: Ana Rosa Moreno
Doce de abóbora e de figo. Foto: Ana Rosa Moreno
Doce de abóbora e de figo. Foto: Ana Rosa Moreno

A comida não pode faltar, as ofertas são preenchidas com a comida da qual o morto gostava em vida, mole, arroz, empanadas de massa de farinha de milho, bebida quente de farinha de milho, carne e pimenta com muito caldo, pedaços assados de pão de milho, tortas de milho etc.

Tamales. Empanadas de massa de farinha de milho. Foto: Ana Rosa Moreno
Tamales. Empanadas de massa de farinha de milho.

Pão. É o pão tradicional com farinha e manteiga que é constituído por uma cúpula decorada com formas de osso e no meio uma bola que simboliza o crânio. O tradicional é de baunilha com nozes, porém, também, há de vários sabores.  Pode-se colocar pão de sal que possuem formas de um círculo ou de bonecas.

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Bebidas alcóolicas para alegrar a alma (penso eu). Não pode faltar a garrafa de tequila e de agave. As ofertas são um símbolo de lembrança; são uma conexão entre os vivos e os mortos e uma forma de agradecer pelo que nos deixaram.  Elas vão sendo colocadas de acordo com a data da chegada do morto (tradição trazida da Espanha) e nada se perde porque ao final se divide a comida entre os familiares e amigos. O dia 28 de outubro é para quem morreu de maneira trágica ou acidental. Os dias 30 e 31 de outubro são dedicados para as crianças não batizadas ou menores de idade. O dia primeiro de novembro é dedicado a todos os santos do calendário gregoriano e o dia 2 de novembro é o dos fiéis defuntos; isto quando a comemoração do Dia dos Mortos está em seu máximo esplendor.

Oferta dedicada ao meu pai
Oferta dedicada ao meu pai

Também é costume visitar os cemitérios para levar flores, música e, em alguns lugares, se passa toda a noite nas sepulturas dos familiares com velas, comida com uma celebração mágica. Os cemitérios se enchem de flores de cempaxochitl, de alegria e tristeza.14938292_1167158760030917_7260565712498409099_n

O mexicano tem uma relação muito peculiar com a morte, porque parece que zomba dela, mas, ao mesmo tempo, ele a respeita e adora. A morte, a Catrina, aquela mulher elegante que vem pelas almas que partiram recentemente; a vemos em quadros, em confetes e em esculturas coloridas. Porque a morte é democrática, ela não entende de cor, religião ou condição social. Ela vem para todos, sem discriminar.

A imagem da Catrina foi introduzida por José Guadalupe Posada em 1910, porém foi popularizada pelo muralista Diego Rivera que a utilizava em murais como um símbolo de crítica ao governo e à própria sociedade.

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Durante os governos de Benito Juárez, Sebastián Lerdo de Tejada e Porfirio Díaz, os jornais agregavam aos textos desenhos de crânios e esqueletos zombeteiramente para criticar seus governos e graficamente descrever injustiças.

A história da Catrina começou durante os governos de Benito Juárez, Sebastián Lerdo de Tejada e Porfirio Díaz. Nesses períodos, começaram a popularizar textos escritos pela classe média que criticava tanto a situação do país como das classes privilegiadas; também faziam calendário ilustrado, histórias de crimes de políticos e pessoas do show business. Foi nos jornais que o Padre Cobos, o Ahuizote e a Pátria ilustrada onde podemos encontrar o trabalho de José Guadalupe Posada.

Atualmente a Catrina é a protagonista das celebrações do Dia dos Mortos; caminha com seu traje elegante e colorido pelas ruas; ela é vista nos altares e nos cemitérios.

Foto: José Luis Orozco
Foto: José Luis Orozco

E por nada no mundo podem faltar as “caveirinhas” que são versos pequenos e divertidos nos quais se ironiza algum indivíduo, não importa quem seja; e se parecem com epitáfios porque o aludido é tratado como morto e se vincula com sua profissão ou atividade, algo assim como “Quando morra Raúl, que o enterrem de cabeça para baixo para que, caso queira sair, que vá ainda mais para baixo”.

A celebração do Dia dos Mortos é minha favorita pela conexão que temos com nosso defunto e, sobretudo, pela comida, pelos cheiros e pelas cores.

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