Por Elaine Tavares. O encerramento das atividades do Grupo de Estudos Wera Tupã, vinculado ao IELA, teve a presença de uma das lideranças Guarani que justamente dá nome ao grupo, Leonardo Wera Tupã e ainda contou com a importante participação de Nuno Nunes, estudioso da causa indígena, além das representantes do povo Laklãnõ Xokleng Txulunh e Lucimara, mais um representante do povo Kamaiurá, Lauhã Kamaiurá.
Depois de uma retrospectiva histórica sobre o processo de invasão das terras de Abya Yala por parte de nações europeias e um levantamento das leis e normas que regem a vida indígena desde então, cada um dos representantes dos povos originários presente pode trazer elementos da luta do passado, bem como a batalha travada nos dias de hoje pela demarcação das terras, pelo respeito à cultura e pelo fortalecimento de políticas públicas que envolvam estados e municípios.
Como bem lembrou Leonardo Wera Tupã, as leis estão escritas, mas geralmente não são cumpridas. Em Santa Catarina, por exemplo, o governo do Estado não tem uma política de aproximação com as comunidades originárias, tudo é remetido à Funai. Além disso, qualquer demanda que venha dos povos indígenas, tanto os órgãos do estado como os dos municípios onde estão as comunidades, exigem sempre a presença de alguém da Funai, como se o indígena não tivesse condição de resolver um problema simples, como um registro de filho, por exemplo. “Existe um desconhecimento das leis, além de todo o racismo e preconceito que as populações originárias enfrentam desde o começo dos tempos da invasão”.
Para os representantes das comunidades indígenas, o desconhecimento sobre as suas culturas ainda é muito grande no Brasil e esse é um ponto que precisa ser bastante trabalhado para que, conhecendo, as pessoas possam compreender a realidade e as posturas dos indígenas na vida cotidiana. A representante Laklãnõ Xokleng, Txulunh, explicou que os jovens de sua comunidade não gostariam de estar na universidade, por exemplo, que é uma proposta de conhecimento do povo branco, mas eles acabam tendo de vir e se instrumentalizar nos saberes de branco para poderem enfrentar os ataques á sua cultura e aos seus saberes. “Nossos anciões nos contaram sobre a decisão que tomaram em 1914 quando decidiram fazer o contato com o homem branco. Foi uma decisão baseada na chance de sobrevivência. Nosso povo sempre foi guerreiro e enfrentou com luta a invasão de seu território. Eles estavam sendo dizimados. Não havia saída naquele momento. Então eles aceitaram fazer contato e conviver nesse mundo. Mas isso não significa que esqueceram as violências sofridas, nem que aceitaram viver conforme os brancos. Foi uma decisão sábia, para defender a vida. Como a nossa, hoje, de estar aqui na universidade”.
Werá Tupã também falou da resistência Guarani e do território. Segundo ele, para sua comunidade existe um segundo território, que não é visível, e no qual eles circulam para além das demarcações impostas pelo mundo branco. “Nós não somos um povo nômade. Nós caminhamos pelo território real porque, primeiro, nós fomos sendo expulsos dos lugares onde vivíamos. A gente sabia que o homem branco estava vindo, porque éramos avisados pelos nossos mensageiros. Eles eram capazes de percorrer o caminho de Santa Catarina até São Paulo em dois dias, enquanto os brancos levavam muito mais dias pelo mar ou terra para chegar. Então, a gente sabia que eles estavam vindo. Aí, a gente se retirava para outro lugar, porque havia muita terra. Por isso a gente caminhava. Não porque a gente queria, mas porque era empurrado. E hoje, a gente circula entre as aldeias porque temos parentes consanguíneos em muitas delas, ou porque casamos com pessoas de outras aldeias. Mas isso não tem nada a ver com nomadismo”.
Os representantes indígenas foram questionados sobre a expressão “brancos” e como eles encaravam, por exemplo, o povo negro, que também foi massacrado pelos europeus. Wera Tupã esclareceu que os Guarani têm muito apreço pelos negros, até porque em vários momentos da história de resistência do seu povo, eles contaram com a presença e a força dos negros, lutando junto. Então, eles diferenciam muito bem quem veio para suas terras sequestrado, e quem veio para saquear e violentar. Lucimara e Txulunh, do povo Laklãnõ Xokleng, comentaram que na língua Xokleng eles diferenciam o branco e o negro, mas não têm um debate sobre a questão do povo negro. Segundo elas, com relação aos “brancos”, eles aprendem desde muito cedo, a partir das histórias dos anciãos e dos pais, que esse não é um povo confiável. “A gente sabe que tem gente boa entre os brancos, mas a experiência de violência que nós vivemos, e que ainda estão muito vívidas na memória do povo, nos fazem ter sempre uma desconfiança”. Wera Tupã lembrou que a questão da maldade não é um “privilégio” do branco. “Também tem índio ruim, que faz maldade. Isso é normal. A gente tem é de saber ver”.
A presença dos representantes das comunidades originárias foi muito importante para o grupo de estudos porque os estudantes puderam partilhar de pensares e vivências que não estão nos livros, que são experimentadas assim, na conversa, na sempre envolvente tradição oral dos povos indígenas. Para o próximo ano, o grupo pretende fortalecer ainda mais os laços com os estudantes indígenas que estão na UFSC, buscando unificar ainda mais essa pequena comunidade (são 17 alunos atualmente) e proporcionar espaços de trocas de saberes, os quais são fundamentais para que se conheça melhor as culturas originárias.
Foto: Reprodução/IELA
Fonte: IELA