Por Centro de Trabalho Indigenista.
Os sinais da retomada dos conflitos armados entre povos indígenas e fazendeiros no Mato Grosso do Sul já estão na imprensa local. Em matéria publicada no jornal eletrônico Campo Grande News na última quinta-feira o governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB) disse estar “apavorado” com o desfecho dos conflitos. Na segunda-feira (5), o grupo de trabalho do governo federal apresentaria a proposta para solucionar o problema no Estado, já adiada para próxima quinta-feira, dia 8. Para Puccinelli, se o Governo Federal não encaminhar uma resposta conclusiva aos produtores rurais e indígenas poderá haver conflitos graves no Estado. Os representantes e lideranças indígenas por seu lado afirmam que retomarão as ocupações se os governos, federal e estadual, não lhes propuserem uma perspectiva concreta e factível, com um programa (com cronograma de aplicação) assinado por todas as autoridades e publicado nos diários oficiais respectivos.
Aparentemente, as partes em conflito (povos indígenas e produtores rurais) concordam que os governos devem pagar a terra nua dos fazendeiros e revertê-las à União para usufruto dos índios que as reivindicam como suas. A matéria acima citada fala em mais de um bilhão de reais como sendo o custo destes pagamentos.
As questões jurídicas envolvidas nesta proposta são, por outro lado, complexas e há enormes divergências sobre elas. Há juízes, sobretudo de primeira instância, que entendem que as terras reivindicadas pelos índios – e estudadas pela FUNAI – não são “tradicionais indígenas” no conceito do artigo 231 da Constituição e que, portanto, se trataria ações de desapropriação por interesse social. Representantes indígenas e da FUNAI discordam deste entendimento. No que são acompanhados por representantes do MPF e por juristas renomados, defendendo que as terras reivindicadas pelos indígenas no MS são “tradicionais indígenas” porque houve farta produção de provas neste sentido, dispostas nos relatórios de identificação elaborados por profissionais especializados contratados pela FUNAI, e também em laudos periciais solicitados pelo juízo. E são estes relatórios e laudos que vêm sendo contestados em juízo pelos produtores rurais – e que juízes de 1ª e 2ª instâncias do judiciário na maioria dos julgamentos dão ganho de causa. Daí a causa das “reintegrações de posse” e dos conflitos. Isto quando a disputa vai a juízo, pois no caso dos Guarani muitas vezes os fazendeiros reagem extrajudicialmente, atacando e assassinando pessoas indígenas, como fartamente noticiado.
O governador do MS fala (e age) como se o seu Estado não tivesse nada a ver com os conflitos e a disputa pela terra em seu quintal. Responsabiliza o governo federal e propõe o pagamento por esse governo da terra nua aos fazendeiros, os quais defende com unhas e dentes, literalmente, embora a maioria dos títulos incidentes sobre as terras indígenas no MS tenha sido emitido pelo governo estadual, participante ativo no esbulho da ocupação indígena.
O governo federal, por seu lado, está dividido, com posições divergentes entre a Secretaria Geral da Presidência e o Ministério da Justiça. Gilberto Carvalho tem defendido a posição compartilhada pela FUNAI: as terras são indígenas e a solução passa pelo reconhecimento do título nulo dado ao produtor pelo Estado federado. O ministro Cardozo defende a interpretação de alguns ministros do STF (indenização por interesse social). Representantes indígenas vão mais longe ainda: denunciam a disposição do Ministro da Justiça em buscar adiar as decisões para dar tempo para que o Congresso aprove a PEC 215 ou o PLP 227 (que segundo o deputado autor do projeto de lei, foi-lhe justamente sugerido por Cardozo e Adams, o chefe da AGU). Cardozo, ao que tudo indica, conta com o Congresso para se livrar de se expor e comprometer sua carreira política (dado que índio não elege deputado nem governador no estado de São Paulo). Gleisi e Adams, para completar, mostram-se completamente alinhados com os ruralistas, e dispostos a referendar qualquer medida que venha a descaracterizar completamente os direitos indígenas e dar instrumentos ao Governo para tratar as reivindicações dos indígenas como caso de polícia.
Em suma, com o governo federal dividido, o governador do MS, esperto, não se mete e Dilma aparentemente não quer entrar em bola dividida nesta altura do campeonato… Logo, a previsão é de que nada será decidido nesta semana, como prometido aos índios e aos fazendeiros, e eles vão partir para o único instrumento que lhes resta: a retomada das áreas, que, como de costume, deve resultar em novas reintegrações de posse violentas, com possíveis vítimas (claro que indígenas). Só assim conseguem pressionar os governos, que parecem querer insistir sempre em anunciar outros prazos, para descumpri-los novamente.
Para que este cenário não se repita, a presidenta Dilma Rousseff só tem uma saída, a nosso ver: defender a FUNAI e a sua posição, que é a de comprometer o governo do estado do MS na solução para o pagamento da indenização aos produtores de boa fé a quem lhes deu um título nulo. Proposta que pode depois ser estendida a outros estados da federação, em especial o RS e o PR, onde a situação é similar. Mas para isso ela precisaria chamar para si a decisão, ao invés de permitir-se ficar refém de ministros que jogam por seus interesses pessoais, políticos ou inconfessáveis. Só assim Dilma se colocaria na posição de estadista que lhe impõe seu cargo, defendendo a Constituição, o que não é mais que seu dever. Quaisquer das soluções legislativas em pauta, que visam alterar o artigo 231, só têm vocação para agravar o conflito, e certamente sofrerão forte e intenso combate da parte dos índios e da sociedade civil.
Colaboração de Helena Azanha, para o EcoDebate, 13/08/2013