Por Clarissa Peixoto.
A construção de uma realidade anterior é duas vezes mimetizada na tela do cinema. Uma pelo tempo e outra pela representação. Talvez a leitura mais atenta perceba outras. E assim, vamos construindo sentidos, criando comparações, equiparando tempo, espaço e práticas.
Assisto “Somos tão jovens” e não tenho com deixar de refletir, comparativamente, sobre o ontem e o hoje da juventude brasileira. E o esforço vai na direção de conformar estereótipos e traçar paralelos de convergências e divergências. Mas, é no sacolejo da estrada que as melancias vão se organizando melhor na carroça. Comparar coisas diferentes necessita criterizar cada qual diferentemente, até que ambas possam adquirir status de relacionarem-se entre si. Lá, um período de repressão política e depressão juvenil. Aqui, a democracia capitalista, refletindo um passado colonial, mas que, contraditoriamente, permite à juventude florescer sob a adversidade.
Em “Somos tão jovens” marca a fala de Dado Villa-Lobos, interpretado pelo filho Nicolau, quando diz que “no Brasil não há nada pra mim”. A frase é reveladora de um cenário que pouco permitia aos jovens. Talvez, ao olhar de hoje, nos pareceria sobremaneira colonialista. No entanto, é consonante com um período em que o desejo de expandir estava subordinado a mais pesada lei, a mais pesada ordem. É naquele recorte da história que se produziu ideias que norteiam, ainda hoje, o pensamento da juventude brasileira. Embora não fale aqui da massa geral de jovens, podemos dizer que a crítica juventude dos anos 80 influenciou o comportamento cultural e político nesse início de século, mesmo marcada pelo pessimismo.
Por outro lado, se vivemos um momento de abertura, os ensejos de transformação social não morreram como apregoa os conservadores do mundo pós-moderno. A tarefa hercúlea é agitar sob outros prismas, sob outras demandas revolucionárias uma nova geração que pensa e age sobre o mundo a partir de novos padrões, de novas contestações. E essa é a palavra. Temos um mundo contestável sob os mais diversos aspectos e os bons ventos não são resolutivos.
Portanto, é necessário equacionar o avanço, a perspectiva e o otimismo com as novas atitudes, as novas práticas, as novas táticas. Tudo isso, com o olhar para a realidade que se impõem, em que muito é preciso fazer, muito é preciso trilhar para influenciar as ideias das novas gerações precoces, que vão produzir, interagir e intervir no mundo. Diante das novas formas, reafirmar nossa compreensão estratégica, que com a juventude só funciona com certa radicalidade. Vivemos um tempo de otimismo que não pode ser cortina para o que de fato oprime, segmenta e segrega.
Do olhar crítico ao olhar fraterno, assistir a história real na tela grande, sempre impregnada de ficção, é também refletir sobre como ela incidiu no que somos hoje e o que incidiremos na história amanhã. E se cabe reflexão nisso, cabe pensar nosso lugar na história, nosso papel enquanto agentes que alteram, minimamente, mas de forma definitiva, a realidade.
Temos todo o tempo do mundo e não temos tempo a perder.
Fonte: Para não desaprender.