Sem secretaria, movimento de mulheres cresce para impedir perda de direitos em 2015

Ato em apoio as mulheres que foram agredidas durante evento da Feira de Livros Feministas de POA, no último domingo. Foto: Guilherme Santos/Sul21.
Ato em apoio as mulheres que foram agredidas durante evento da Feira de Livros Feministas de POA, no último domingo. Foto: Guilherme Santos/Sul21.

Por Débora Fogliatto.

O ano de 2015 foi de dificuldades e luta para as mulheres brasileiras. A violência contra a mulher passou a ser discutida mais abertamente ao ser abordada na redação do ENEM, embora o Mapa da Violência que foi divulgado no final do ano tenha revelado que elas continuam sendo vítimas, especialmente dentro de suas próprias casas. No Brasil, o Congresso conservador, com Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à frente da Câmara de Deputados, ameaçou o direito ao aborto legal e atendimento após estupro. No Rio Grande do Sul, já em dezembro do ano anterior, foi anunciado o fim da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). Já no mundo virtual, campanhas como a #PrimeiroAssédio e a #MeuAmigoSecreto motivaram mulheres de todo o país a compartilharem suas experiências pelas redes sociais, denunciando comportamentos agressivos ou abusivos por parte de homens.

Na capital gaúcha, um caso de estupro no maior parque da cidade trouxe à tona a discussão sobre os equipamentos de proteção a mulheres vítimas de violência, e um evento planejado para ser uma Feira do Livro Feminista terminou com violência policial. Todos os retrocessos e truculências geraram respostas, provocando o que tem sido chamado por algumas pessoas de “primavera feminista”, caracterizada por uma série de protestos comandados por mulheres em todo o país.

As mulheres também continuam com pouca representatividade nos espaços políticos, mesmo com a cota estabelecida nas últimas eleições. Em julho, PSDB, PP, PSB e PTdoB se tornaram alvo de representações da Procuradoria Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (PRE-RS) por terem desrespeitado o tempo mínimo destinado à promoção das mulheres na política em suas inserções partidárias de rádio e televisão no primeiro semestre de 2015. Em agosto, foi aprovada a PEC do Senado que garante cotas no Legislativo, e a falta de representatividade motivou debates no Rio Grande do Sul.

No dia 8 de março, Dia da Mulher, também aconteceram mobilizações. Pedindo por um Judiciário menos machista, mulheres do campo ocuparam fábricas e fizeram protestos em todo o país. Em Porto Alegre, a data foi marcada por um  “mutirão feminista” no Parque da Redenção, com rodas de conversa, atividades culturais e caminhada contra a violência.

A extinção da SPM

Já no dia 22 de dezembro de 2014, antes mesmo de tomar posse, o governo de José Ivo Sartori (PMDB) aprovou a extinção da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM). No dia em que os deputados votavam a reformulação de governo de Sartori, movimentos de mulheres lotaram as galerias da Assembleia Legislativa para tentar barrar a proposta, mas não obtiveram sucesso. A reivindicação pelo retorno da secretaria se tornou uma das maiores disputas do ano, com protestos ocorrendo a partir do dia 12 de janeiro, inclusive durante a posse dos deputados, no fim do mês.

A extinta secretaria tornou-se uma diretoria dentro da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, após breve polêmica quando se insinuou que a pasta ficaria sob responsabilidade da primeira-dama. Apenas em fevereiro foi anunciado o nome da nova diretora, cargo que foi atribuído a Salma Valêncio, militante do PMDB Mulher, quegarantiu que o atendimento às mulheres continuaria ocorrendo da mesma forma.

Em abril, declarações do secretário de Segurança acirraram ainda mais o clima entre ativistas pelos direitos das mulheres e o governo estadual. Em entrevista à Rádio Gaúcha, Wantuir Jacini afirmou que “antigamente, o pai era apenas o provedor do lar e a mãe ficava fazendo a educação. Hoje a mãe sai para prover o lar também e as crianças ficam sozinhas, ficam na rua, à mercê de todos os criminosos, principalmente nas periferias”.

No mês seguinte, com a exposição de fotos íntimas e culpabilização generalizada de jovens mulheres em Encantado, no interior do estado, as políticas para mulheres voltaram a ser debatidas. Na Assembleia Legislativa, Salma garantiu que a Rede Lilás, que integra os equipamentos de proteção às mulheres, segue funcionando, embora a diretoria conte com apenas cinco trabalhadoras, em contraste às 70 que haviam na Secretaria. As manifestações pedindo o retorno da estrutura não cessaram e em julho, o Conselho Estadual das Mulheres lançou oficialmente uma campanha pedindo sua volta.

Cunha e a pílula

Ao mesmo tempo em que as mulheres protestavam contra o desmantelamento da Secretaria no âmbito estadual, no Congresso Nacional a situação não era muito melhor. Em fevereiro, a Câmara de Deputadoselegeu como presidente Eduardo Cunha, parlamentar da bancada evangélica, conhecido por suas posições conservadoras em relação a aborto e questões LGBT. Por outro lado, em março foi aprovada a lei do Feminicídio, que tipifica os assassinatos de mulheres motivados por gênero.

Também em Brasília, duas importantes marchas reivindicando direitos aconteceram: a quinta edição da Marcha das Margaridas, com demandas das mulheres do campo, em agosto, e a Marcha das Mulheres Negras, em novembro, que culminou em confusão e agressão por parte de um homem acampado em frente ao Congresso.

Cunha logo desarquivou cerca de oito projetos relacionados ao direito ao aborto, dos quais o mais polêmico é de sua autoria. O projeto 5069/2013 aumenta a pena para quem praticar aborto — tanto a mulher quanto o médico que realizá-lo — além de permitir o aborto decorrente de estupro apenas em casos em que haja “prova da violência sexual”, realizada por exame de corpo de delito. Em outubro, começaram os primeiros protestospedindo sua saída, reunindo centenas de mulheres em diversos estados brasileiros.

Os movimentos de Fora, Cunha motivados pelas denúncias de corrupção envolvendo o presidente da Câmara foram liderados por mulheres também na capital gaúcha. Em Porto Alegre, Cunha foi rechaçado ainda noprotesto de 25 de novembro, Dia Internacional pelo Fim da Violência Contra a Mulher, realizado na Esquina Democrática, e voltou a ser alvo na Marcha das Vadias, quatro dias depois.

O papel de Cunha também foi mencionado na mesa realizada em dezembro para debater o acesso à cidade e aos espaços públicos, com a ex-candidata à presidência da República pelo PSOL, Luciana Genro, a filósofa feminista Márcia Tiburi, a professora Rosana Pinheiro-Machado, a vereadora Fernanda Melchionna e as militantes Winnie Bueno e Marcela Pellin.

Porto Alegre: violências 

A capital gaúcha foi palco de uma série de episódios que retrataram a necessidade de avanços nas políticas e estruturas referentes à proteção a mulheres vítimas de violência. Em março, após uma denúncia de estupro na Redenção ter viralizado na internet, dezenas de outras mulheres relataram ter sofrido abusos e ter sido mal recebidas pela polícia, incluindo na Delegacia da Mulher. As denúncias motivaram cobranças e investigações por parte da Câmara de Vereadores, encabeçadas pela Comissão de Direitos Humanos, que visitou a Delegaciae elaborou um relatório sobre a situação da rede.

Em maio, foi realizada uma reunião para apresentar o relatório inicial sobre o assunto, o qual constatou falta de pessoal e estrutura física em diversos aparelhos voltados ao atendimento de mulheres. Seis meses depois, em novembro, a Comissão voltou a chamar as autoridades e responsáveis pelos casos para discutir o tema, quando foi novamente constatada a falta de condições de atendimento e, inclusive, de se cumprir mandatos em casos de violência doméstica.

No início de novembro, durante a Primeira Feira do Livro Feminista e Autônoma, as participantes foram surpreendidas por policiais, que as trataram de forma violenta, fazendo com que algumas tivessem que ser atendidas no Hospital Pronto Socorro, e motivando protestos. O último dia de evento transformou-se em umacaminhada denunciando o ocorrido, que reuniu centenas de pessoas e, no dia seguinte, mais mulheres se somaram à causa, em uma manifestação que criticou a violência contra a mulher nas mais diversas esferas.

Ainda em Porto Alegre, em 2015 um professor de Direito da PUCRS causou revolta ao afirmar, em sala de aula, que “leis e mulheres foram feitas para serem violadas”, motivando protestos de repulsa e de apoio ao docente. Também entraram em pauta na cidade os assédios perpetuados por taxistas e acontecidos notransporte público, além da discussão sobre o parto humanizado. Ao mesmo tempo, movimentos cresceram em diversos sentidos, com a criação do Vamos Juntas?, que nasceu na internet com o objetivo de ser aplicado na “vida real” e as mobilizações para auxiliar Gisele Santos, que foi brutalmente agredida pelo namorado. No fim do ano, o aplicativo para celular PLP 2.0, que auxilia mulheres vítimas de violência, entrou em fase de testes, com previsão para começar a funcionar em janeiro de 2016.

Foto: Reprodução/SUL 21

Fonte: SUL 21

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