Sem representatividade partidária, periferia se mobiliza por meio da arte

Sarau Perifatividade
Sarau Perifatividade

O sociólogo Tiarajú Pablo D’Andrea analisa a periferia de São Paulo no âmbito político e cultural; para ele, a periferia sempre criou suas próprias formas de sobreviver e de se politizar

Por José Coutinho Júnior, José Francisco Neto, Simone Freire e Eduardo Sales.

EM 1989, Luiz Inácio Lula da Silva per­dia as eleições para Fernando Collor de Mello. Com a derrota, o Partido dos Tra­balhadores (PT) inicia uma burocrati­zação interna e faz alianças com parti­dos de centro e de direita. Aos poucos, se afasta das periferias urbanas, e os mo­vimentos sociais também perdem su­as forças. Muitos núcleos do PT, que fo­ram formados dentro de igrejas católi­cas nas regiões periféricas, dirigidas pe­las Comunidades Eclesiais de Base (CE­Bs), vão se diluindo, conforme a direita católica avança.

O desaparecimento da movimenta­ção política engendrada pelo PT nas pe­riferias e o fim das discussões fomenta­das pelas CEBs foram fatores fundamen­tais que geraram uma crise da falta de re­resentatividade política que assolou os bairros populares à época.

Sociólogo Tiarajú Pablo D’Andrea
Sociólogo Tiarajú Pablo D’Andrea

A perda desses referenciais é sentida até hoje. Quem explica as causas e efeitos dessa crise é o pesquisador Tiarajú Pablo D’Andrea, autor da tese de doutorado “A formação dos sujeitos periféricos: cultu­ra e política na periferia de São Paulo”. Ele afirma que após esse período as pe­riferias nunca mais voltaram a fervilhar politicamente com a mesma intensidade como ocorreu nos anos 1980.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Tiarajú apontou, no entanto, que a prin­cipal saída para essa problemática foi a criação de uma série de coletivos cultu­rais que conseguiram juntar toda uma juventude que estava dispersa pela au­sência de qualquer instrumento político nesses locais.

Sem partido, sem movimento social e sem sindicato, de acordo com o pesqui­sador, ainda existia uma forte crítica em relação à legitimidade do Estado e das instituições democráticas. “Ou seja, você tem uma série de crises para reinventar a própria periferia. Por isso ela está sem­pre em movimento. A periferia nunca es­teve parada. A periferia sempre criou su­as próprias formas, mecanismos de so­brevivência e formas de se politizar”, pondera.

Como o PT passou a ser um partido da ordem, Tiarajú ressalta que a arte e a cul­tura conseguiram ainda manter uma ra­dicalidade que não existe mais nessas formas institucionais.

Arte para se manter vivo.

Para entender esse contexto, outro fa­tor relevante apontado pelo pesquisador foi o índice de homicídios em São Pau­lo que começou a crescer em 1993.

Mano Brown no Sarau da Cooperifa.
Mano Brown no Sarau da Cooperifa.

De acordo com o Mapa da Violência da épo­ca, deste período até 1999, as taxas de au­mento dos assassinatos chegavam a cer­ca de 8% ao ano. Porém, entre 1999 e 2003, começaram a cair, em média, 5% ao ano. A partir daí, o número de homicí­dios diminuíram drasticamente.

Alguns especialistas em segurança pú­blica explicam essa queda pela atuação do Primeiro Comando da Capital, o PCC. Com a hegemonia do poder dentro e fora das cadeias, eles reforçam que o fortale­cimento da facção criminosa foi o princi­pal efeito colateral da redução dos homi­cídios. Apesar de achar essa tese coeren­te, Tiarajú acredita que a arte e a cultu­ra nas periferias foram os principais ins­trumentos responsáveis pela queda des­se índice. Para ele, ambas disputaram com a violência, a polícia e o tráfico de drogas. Era uma forma de se manter vi­vo num contexto de morte absoluta.

“Pessoas fazem saraus, recitam poe­sias, ocupam os espaços públicos. A arte e a cultura prestaram um papel de huma­nização de um setor social que primeiro precisava se humanizar, pra depois con­seguir fazer política”, revela.

Realidade cantada

A periferia então começa a se auto-or­ganizar. Nesse vácuo da crise de repre­sentatividade do mundo do trabalho e do discurso hegemônico neoliberal, mora­dores dos bairros populares começam a mostrar para a sociedade que ainda exis­te a miséria. Isso é feito por meio de um discurso intermediário que traz um de­bate que até então estava vazio. É o dis­curso periférico, do mundo urbano.

Tiarajú lembra que na década de 1990 essa realidade era muito enfatizada nas letras de rap. Contrapondo-se ao discur­so neoliberal, as músicas traziam uma narrativa que a sociedade tentava ocul­tar: a miséria que ainda estava enraiza­da nas favelas.

“Você tem uma coisa para mostrar ao mundo que é a própria contradição da sociedade. A periferia é um local de pro­blemas que a sociedade não quer ver, mas é um local também com potenciali­dades”, afirma.

E essas potencialidades tornam-se en­tão um meio de sobrevivência em meio à tantas mazelas do cotidiano periféri­co. Entre o tráfico de drogas e o mundo do trabalho competitivo do capitalismo, havia uma terceira possibilidade, que era justamente cantar rap e escrever livros de poesias.

“Muito melhor você produzir um CD com a tua música que você bota na mo­chila e sai vendendo por aí, do que vo­cê produzir um lanche no MC Donalds”, compara, acrescentando que “a partir daí começam a surgir editais que financiam esses projetos.”

Uma nova janela histórica

Tiarajú diz ainda que existiram pesso­as que foram para a arte porque senti­ram que em algum momento a luta polí­tica já não estava trazendo mais nenhum tipo de ganho. Ou então, acrescenta, ti­veram outros que começaram a ingressar em atividades artísticas, pois viam que não era um tempo para conseguir fazer política institucional.

“Então não era aquele cara que não acreditava mais em nada, mas era aquela turma do vamos dar um tempo aqui, va­mos nos manter juntos, até uma nova ja­nela histórica se abrir”, conclui.

Foto Sarau Perifatividad:  Simone Freire

Foto sociólogo Tiarajú Pablo D’Andrea: Facebook

Foto Mano Brown: Blog Colecionador de Pedras.

Fonte:  Brasil de Fato

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