Por Sônia Maluf.
Kafkiana. Não tem outra palavra para definir a situação que vários pesquisadores brasileiros tem enfrentado na França para conseguir o titre de séjour (documento que legaliza a presença do pesquisador estrangeiro no país). Para explicar melhor: quando se sai do Brasil com bolsa de pós-doutorado, ou de pesquisador, deve-se pedir um visto científico no Consulado da França, que serve como entrada no país (nesse caso não pode ser visto de turista).
Pra pedir esse visto, é preciso antes obter um documento chamado Convention d´Accueil, assinado pelo diretor da instituição pra onde se vai e pela Prefeitura de Polícia de Paris. Chegando na França, a primeira coisa a fazer é apresentar toda a documentação de novo à Prefeitura de Polícia (braço municipal do Ministério do Interior) pedindo o titre de séjour. E aí o processo, que teoricamente deveria durar algumas semanas, começa a se arrastar. O visto de três meses vence, a pessoa fica em situação de ilegalidade, pois nem o recibo de que encaminhou os documentos eles fornecem.
Todo esse procedimento ficou mais complicado e demorado desde o ano passado, quando o ministro do interior Claude Guéant publicou uma circular determinando mais rigor na renovação dos titre e, junto com isso, convidou os estudantes estrangeiros a voltarem a seus países depois de terminarem seus mestrados e doutorados. Enquanto o titre não sai não se pode sair do país, sob o risco de não poder mais entrar, a não ser que se tenha autorização expressa da Prefeitura da Política solicitada antes da viagem e só concedida para viagem profissional (com os devidos comprovantes).
A situação fica mais absurda em relação aos estudantes estrangeiros de mestrado e doutorado, que precisam renovar seu titre todos os anos (o que não é o caso dos estudantes em sanduiche), muitos dos quais a partir de setembro de 2011 não receberam a renovação, mesmo sem ter finalizado seus estudos, e muitas vezes com a justificativa, escrita por um funcionário da polícia, de que” não apresentaram progressos em seus estudos”. Tudo isso é resultado da política de contenção da imigração que vem sendo praticada desde os governos anteriores, e que com o presidente Nicolas Sarkozy atingiram uma escala insustentável.
O Le Monde tem publicado diariamente, na versão impressa e no site, artigos narrando situações que estudantes e pesquisadores de vários países, incluindo o Brasil, têm enfrentado. O medo maior, além da situação absurda de não poder sair do país, nem que seja pegar o trem no fim de semana para ver uma exposição em Bruxelas, é de ser controlado pela polícia em alguma saída do metrô, por algum policial que pode achar que você tem um rosto “suspeito”.
E aí o que dizer se o visto carimbado no passaporte já expirou? Marco Zito, físico e pesquisador na França, no artigo Pesquisa sem fronteiras (Le Monde de 21 de janeiro de 2012), comenta a situação insustentável criada pelo governo e suas várias circulares, lembrando que em qualquer laboratório ou instituto de pesquisa hoje pode-se escutar várias línguas, do grego ao português, do inglês ao japonês, o russo, além do francês.
Mais de sessenta instituições acadêmicas e científicas da França se manifestaram contra a “circular Guéant”. Mas não só os trabalhadores da ciência e das universidades que têm sofrido com a situação. Deportação inclusive de pais e mães de crianças nascidas na França, trabalho precário de trabalhadores estrangeiros sans papier, que pela sua situação de não reconhecimento são obrigados a aceitar todo tipo de exploração e aceitar fazer trabalhos mal pagos, são temas recorrentes na mídia.
O movimento dos sans papier começou em março de 1996, com a ocupação de uma igreja por 300 africanos, que são desalojados em agosto, e uma manifestação em outubro do mesmo ano, de quinze mil pessoas em solidariedade aos sem documentos. Tudo começou mesmo em 1993, com a Lei Pasquá (Charles Pasquá, ministro do interior na época), que mutiplicou os obstáculos à imigração e à permanência de estrangeiros na França.
Mas talvez nunca a situação tinha chegado ao ponto em que chegou agora, não só atingindo os pesquisadores estrangeiros, como aqueles que vêm por uma temporada, como é o caso dos pós-doutorandos e pesquisadores em missão científica – tratados como imigrantes vindos para tirar os parcos empregos dos franceses. Se a globalização, eufemismo para o imperialismo tardio, nunca foi simpática a que pessoas circulassem tanto quanto as mercadorias, em épocas de crise a antipatia vira uma verdadeira guerra, mesmo contra quem veio com carta-convite (e salário pago pelo país de origem).
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Estou nessa situação. Vim fazer pesquisa e procuro agir sempre da maneiro mais correta mas me vejo numa situação de irregular e nem consigo dormir direito. O que fazer?
Já houve algum avanço?