Por Pedro Borges e Fernanda Rosário e Elias Santana Malê, para Alma Preta Jornalismo.
De forma inédita, o Brasil leva para a maior conferência do clima do mundo – a COP 27, que acontece em Sharm el-Sheik, Egito — três visões diferentes de como lidar com o meio ambiente e as emergências climáticas. Com o racha, o governo federal dedica seu espaço às energias renováveis; os governadores da região amazônica levam discussões sobre a floresta e economia do bioma; já a sociedade civil debate direitos humanos e justiça climática.
A primeira separação aconteceu em 2019, no primeiro ano da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), quando o governo federal deixou de ceder credenciais para a sociedade civil. Nunca, porém, houve uma tripla delegação. Durante seu governo, Bolsonaro nunca foi a uma COP. Antes mesmo de tomar posse, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aceitou o convite dos governadores e é uma das presenças mais aguardadas da COP27.
“As delegações do Brasil da COP eram conhecidas pela sua diversidade, eram a cara do Brasil. Bastava estar engajado na pauta e vinha como delegado brasileiro, e o governo Bolsonaro rompeu isso”, explica Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente.
Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e organizadora do espaço da sociedade civil, reforça que o governo brasileiro era considerado muito inovador e único na forma como tratava a sociedade civil ao incorporá-la ao seu próprio credenciamento oficial nas COPs.
Além de não ir a nenhuma edição da COP, Bolsonaro barrou o Brasil de receber o evento em 2019. Alegou restrições financeiras e dificuldades no processo de transição. Transferido para o Chile, o evento não foi realizado lá devido às manifestações que tomaram o país e acabou sendo realizado na Espanha. Em Madrid, o governo brasileiro não chegou a ter um estande oficial por conta das dificuldades logísticas e burocráticas provocadas pela mudança do país-sede.
Governo federal: energia renovável
O governo federal levou para a COP 27 um pavilhão que apresenta a potência energética do país, como possível fonte de energias renováveis e biocombustíveis para o mundo. A proposta está alinhada com o crescimento da discussão energética no mundo, principalmente devido aos reflexos da guerra entre Ucrânia e Rússia sobre o fornecimento de gás russo para a Europa.
“Eu acho que o Brasil é um país diverso, com uma enorme biodiversidade e nós temos biomas que se interconectam e são responsáveis por todo esse potencial. Diante desse cenário, em que a gente encontra uma geopolítica mudando, toda essa crise energética dos países da Europa, há a necessidade real da transição”, explica Julia Messias, Secretária de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente.
Os diálogos para a construção do espaço do país, que possui 300 m², foram feitos com setores do governo, como a APEX, vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, além da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), grupos apoiadores do espaço do governo federal. “A gente não toma uma decisão sobre a programação unilateralmente, a gente discute muito com a CNI, CNA, APEX, diversos outros players, em partes com a sociedade civil para descobrir como a gente viria para esse espaço”, destaca Julia Messias.
Sociedade civil: justiça climática
Cintya Feitosa, assessora de relações internacionais do Instituto Clima e Sociedade, reforça que não houve convites para a sociedade civil brasileira participar da construção da agenda oficial do estande do governo federal para esta edição da COP.
“Não houve uma transparência na construção da agenda do espaço. Não teve o convite para as organizações serem parte desse espaço, então acho que é natural que a gente, com tanta coisa pra contar e pra discutir sobre o que está acontecendo no Brasil, queira ter um espaço físico pra fazer isso”.
Reportagem publicada pela Alma Preta sobre a edição do ano passado mostrou que tanto a confederações, quanto o governo federal, admitem que houve apoio, mas não declararam os valores do suporte para criação do estande brasileiro, mesmo com pedidos de Lei de Acesso à Informação.
Sem o espaço oficial e sem as credenciais do governo, a sociedade civil brasileira, capitaneada por ONGs ambientalistas, organizou desde 2019 uma delegação e um espaço, que naquela edição tinha 40 m² e em 2022, 150 m². O objetivo é mostrar iniciativas voltadas à preservação do meio ambiente e à promoção da justiça climática de institutos de pesquisa e de movimentos sociais, além de ter uma presença significativa de indígenas e quilombolas por toda programação.
“A diversidade continua em si e eu acho que até aumentou, com muitos mais jovens, negros e indígenas vindo às COPs. Entretanto, não com o governo brasileiro, o oposto disso”, afirma a diretora executiva do iCS, Ana Toni.
Governadores da Amazônia Legal: desenvolvimento sustentável
O espaço destinado aos governadores ganhou corpo na COP 26, de Glasgow, quando houve a percepção de que os espaços existentes não comportam o tamanho da delegação dos estados. Durante o evento, os governadores conseguiram uma sala de reunião no espaço da sociedade civil e participaram da programação dos estandes da sociedade civil e governo federal.
Segundo Cira Moura, secretária-executiva do Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, a partir dali houve um processo de pesquisa, planejamento, levantamento e depois submissão da proposta para aprovação dos governadores. O espaço dos governadores, de 120 m², tem uma agenda diferente do estande do governo federal, mas há um diálogo entre as duas delegações, como apontam organizadores. O foco do consórcio dos 9 estados em que há floresta amazônica é a preservação ambiental e o desenvolvimento da economia sustentável da região. Os estados da Amazônia Legal são: Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso.
A abertura do pavilhão dos governadores, no dia 9 de novembro, ocorreu com a agenda “Nova política de regularização ambiental do Acre e do Pará” e na sexta-feira, dia 11, a discussão foi sobre os “Fundamentos para uma economia verde e agricultura de baixo carbono”.
O consórcio entende que a presença física é um ativo para atrair recursos. Em julho de 2021, os governadores lançaram o Plano de Recuperação Verde (PRV), projeto com o objetivo de captar recursos para o desenvolvimento sustentável da região em quatro diferentes pilares: freio ao desmatamento ilegal; desenvolvimento produtivo sustentável; investimento em tecnologia verde e capacitação; e a chamada infraestrutura verde. A estratégia adotada é captar recursos de investimentos estrangeiros, como fundos privados nacionais e bancos públicos com papel similar ao do BNDES.
O governo federal chegou a trocar informações com o consórcio de governadores para conseguir um espaço conjunto na COP. A partir de setembro, as duas representações fizeram reuniões quinzenais e tiveram até dois encontros presenciais em Brasília. O governo federal chegou a convidar os governadores para que estivessem juntos, mas o chamado foi feito em setembro. A essa altura, todos os arranjos do espaço já estavam feitos. Os governadores pediram o estande em maio de 2022
Assessores do Ministério do Meio Ambiente apontam que o espaço dos governadores focado na Amazônia permitiu ao governo federal construir uma agenda focada nas energias renováveis. A secretária de biodiversidade da pasta, Julia Messias, também conta que houve o cuidado para que o pavilhão dos governadores ficasse próximo ao do governo federal, com cores semelhantes, mas com um tamanho menor.
“Para além disso, a gente discutiu a agenda em si do espaço do consórcio. A gente teve uma interação dentro dessa grade, dentro do que eles iriam apresentar, uma discussão aprofundada, de que público eles gostariam de ter, o risco de falar somente para brasileiros”, explica a secretária do Ministério do Meio Ambiente.
Os assessores do estande dos governadores negam que exista uma diferença política e ideológica com o governo federal. Apesar disso, as eleições brasileiras se tornaram em mais um elemento para o Brasil no evento. Essa será a primeira agenda internacional de Lula depois de eleito. Ele chegará na COP no dia 15 de novembro e tem atividade marcada no espaço dos governadores no dia 16. O presidente eleito recebeu primeiro um convite do governador reeleito do Pará, Helder Barbalho (MDB), para vir ao encontro. Há a expectativa de que Lula participe de atividades no espaço da sociedade civil e não no estande do governo federal, ainda sob a tutela da administração Bolsonaro.
Lula tem falado em unificar o país, expectativa ampliada para todos os setores envolvidos na agenda climática, como povos indígenas, quilombolas, ambientalistas, agronegócio, industriais, governadores, todos grupos com diferentes agendas.
Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, deseja que o Brasil volte a ter um único pavilhão e que dê conta da diversidade de agendas do país. “Eu espero que ano que vem todos estejamos juntos, um país que se junta pela diversidade e que constrói espaços comuns de convivência. Isso é democracia, cada um com a sua identidade, sua agenda. Tomara que a gente tenha um ótimo pavilhão, do Brasil, com a sociedade civil, setor privado, ciência, o subnacional”.
Apesar do desejo, há uma possibilidade dos governadores manterem um espaço para a próxima edição, como explica Cira Moura. “Vai ter uma avaliação e eles podem achar que devem continuar a ter um hub, apenas para continuar a ter o espaço de acomodação de todas delegações ou mesmo para continuar com protagonismo e demonstração do esforço desse colegiado. Eu acho que a tendência é permanecer, independente do presidente”.