Segurança e Terror

Segurança

Por Giorgio Agamben, via Libcom.

A segurança como um dos princípios fundamentais da política estatal remonta ao nascimento do Estado moderno. Hobbes já mencionava este como o oposto do medo, que compele os seres humanos a se unirem dentro de uma sociedade. Mas até o século 18 não houve um pensamento sobre a segurança que entrasse em seu próprio campo. Em palestra realizada em 1978 no Collège de France (que ainda será publicado) Michel Foucault mostrou como a prática política e econômica dos fisiocratas opõe a segurança à disciplina e à lei como instrumentos de governança.

Turgot e Quesnay, bem como as autoridades fisiocratas, não estavam preocupadas em primeiro lugar com a prevenção da fome ou a regulação da produção, mas, antes, queriam permitir o seu desenvolvimento para, em seguida, regular e “assegurar” as suas consequências. Enquanto o poder disciplinar isola e fecha territórios, as medidas de segurança levam a abertura e a globalização; enquanto a lei quer prevenir e regular, a segurança intervém em processos já em curso para dirigi-los. Em suma, a disciplina quer produzir ordem, a segurança quer regular a desordem. Uma vez que as medidas de segurança só pode funcionar num contexto de liberdade de tráfego, comércio e iniciativa individual, Foucault pode mostrar que o desenvolvimento da segurança acompanha as ideias do liberalismo.

Hoje enfrentamos desenvolvimentos mais extremos e perigosos no pensamento sobre a segurança. No curso de uma neutralização gradual da política e de rendição progressiva das tarefas tradicionais do Estado, a segurança se torna o princípio básico da atividade estatal. O que costumava estar entre várias medidas definitivas da administração pública até a primeira metade do século XX, agora se torna o único critério de legitimação política. O pensamento sobre a segurança traz em si um risco essencial. Um estado que tem a segurança como única tarefa e fonte de legitimidade é um organismo frágil; ele sempre pode ser provocado pelo terrorismo para se tornar ele mesmo terrorista.

Não devemos esquecer que a primeira grande organização de terror depois da guerra, a Organisation de l’Armée Secrète (OEA), foi criada por um general francês, que pensou em si mesmo como um patriota, convencido de que o terrorismo era a única resposta para a fenômeno da guerrilha na Argélia e na Indochina. Quando a política, na forma como foi entendida pelos teóricos da “ciência da polícia” no século XVIII, se reduz a polícia, a diferença entre o Estado e o terrorismo ameaça desaparecer. Ao final a segurança e o terrorismo podem formar um único sistema mortal, em que eles justificam e legitimam reciprocamente suas ações.

O risco não é meramente o desenvolvimento de uma cumplicidade clandestina de oponentes, mas que a busca por segurança leve a uma guerra civil mundial que faça toda convivência civil impossível. Na nova situação criada pelo fim da forma clássica de guerra entre Estados soberanos torna-se claro que a segurança encontra o seu final na globalização: ela implica a ideia de uma nova ordem planetária que é na verdade a pior de todas as desordens.

Mas há um outro perigo. Já que elas exigem constante referência a um estado de exceção, as medidas de segurança trabalham no sentido de uma despolitização crescente da sociedade. A longo prazo, elas são irreconciliáveis com a democracia.

Nada é mais importante do que uma revisão do conceito de segurança como princípio básico da política do estado. Os políticos europeus e norte-americanos finalmente têm que considerar as consequências catastróficas do uso geral acrítico desta figura de pensamento. Não é que as democracias devem deixar de se defender, mas talvez seja chegado o momento de trabalhar para a prevenção da desordem e da catástrofe, não apenas para seu controle. Ao contrário, nós podemos dizer que a política secretamente trabalha para a produção de emergências. É tarefa da política democrática prevenir o desenvolvimento das condições que levam ao ódio, ao terror e à destruição, e não se limitar às tentativas de controlá-las depois eles já aconteceram.

Tradução: Daniel Alves Teixeira.

Fonte: Lavra Palavra.

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