Por Suzana Camargo.
Atualmente 23% das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera da terra são provenientes da agropecuária e outros tipos de atividades ligadas à exploração do solo.
“Ao mesmo tempo, os processos naturais de terra absorvem dióxido de carbono equivalente a quase um terço das emissões de CO2 dos combustíveis fósseis e da indústria”, explica Jim Skea, um dos cientistas envolvidos na elaboração do novo relatório divulgado hoje (08/08) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).
É por esta razão que a conservação da terra e a mudança no padrão de consumo e da dieta da grande maioria da humanidade, baseada predominantemente em carne, precisa ser revista. Imediatamente.
“A terra em uso já é suficiente para alimentar a população global em um clima em mutação e fornecer biomassa para energia renovável, mas é necessária ação urgente e de longo alcance em várias áreas”, ressalta Hans-Otto Pörtner, outro pesquisador que participou do estudo.
Durante dois anos, 107 cientistas, de 52 países – mais da metade deles de nações em desenvolvimento -, analisaram cerca de 7 mil artigos para escrever o relatório especial Uso da Terra e Mudanças Climáticas, que analisa ainda questões como desertificação e degradação do solo, manejo sustentável e segurança alimentar.
O documento que serve como instrumento para líderes globais tomarem decisões em relação a políticas públicas para enfrentar a crise climática evidencia que a terra já está sob enorme pressão humana e o aquecimento global aumenta ainda mais essa pressão.
A ameaça ao solo
“As escolhas que fazemos em relação ao manejo sustentável da terra podem ajudar a reduzir e, em alguns casos, reverter esses impactos adversos”, afirma Kiyoto Tanabe, co-presidente da Força Tarefa sobre Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa.
“Em um futuro com chuvas mais intensas, o risco de erosão do solo nas plantações cresce e o manejo sustentável da terra é uma maneira de proteger as comunidades dos impactos negativos dessa erosão do solo e dos deslizamentos de terra. No entanto, existem limites para o que pode ser feito, portanto, em outros casos, a degradação pode ser irreversível ”, diz.
O estudo aponta ainda que aproximadamente 500 milhões de pessoas vivem em áreas que apresentamdesertificação. São solos áridos, mais vulneráveis às mudanças do clima e aos eventos extremos, incluindo secas, ondas de calor e tempestades de poeira.
Menos carne e mais vegetais
Todavia, é mesmo na questão da segurança alimentar que os especialistas do IPCC fazem o maior alerta. Segundo os cientistas internacionais, as alterações no clima do planeta estão afetando todos os quatro pilares da geração de alimentos: disponibilidade (produção e rendimento), acesso (preços e capacidade de obtenção de alimentos), utilização (nutrição e culinária) e estabilidade (interrupções na disponibilidade).
“Veremos diferentes impactos em diferentes países, mas os mais drásticos ocorrerão nas nações de baixa renda da África, Ásia, América Latina e Caribe”, prevê Priyadarshi Shukla.
A conclusão a que o estudo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas chega é a mesma feita por um outro grupo de pesquisadores em um artigo, divulgado em janeiro de 2019, no jornal britânico The Lancet: é necessária uma revolução radical na dieta humana. Precisamos consumir menos carne e mais alimentos de origem vegetal (leia mais aqui).
Apesar da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendar o consumo diário de 44 a 55 gramas de proteína, a população do Reino Unido ingere, por exemplo, em média, 64 a 88 gramas, dos quais 37% são provenientes da carne. E nos últimos anos, países como Índia e China, que não eram grandes consumidores de proteína animal mudaram a maneira como comem: colocam cada vez mais carne vermelha em seus pratos.
“Algumas escolhas alimentares exigem mais terra e água e provocam maior emissão de gases que prendem o calor do que outras”, destaca Debra Roberts, co-presidente do grupo II do IPCC. “Dietas balanceadas com ingredientes à base de plantas, como grãos, leguminosas, frutas e vegetais, e alimentos de origem animal produzidos de forma sustentável, em sistemas de baixa emissão de gases de efeito estufa apresentam grandes oportunidades para adaptação e limitação da mudança climática”.
Os dados e informações divulgados pelo novo relatório do IPCC deverão ser importantes ferramentas nas discussões de dois encontros das Nações Unidas, a serem realizados em breve: a Conferência sobre Combate à Desertificação, em setembro, em Nova Delhi, na Índia, e a Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP25), em Santigo do Chile, em dezembro. Esta última seria sediada no Brasil, mas o governo de Jair Bolsonaro desistiu de receber o evento.