Por Kaique Dalapola e Fausto Salvadori.
O estudante secundarista C.O., 16 anos, afirma que foi torturado por policiais militares, seguranças da CPTM e homens à paisana dentro da Estação Socorro da Linha 9-Esmeralda da CPTM, na Zona Sul da capital, no dia 15 de setembro. Os policiais apresentaram ao jovem 24 fotos de outros estudantes secundaristas e o agrediam a cada vez que ele dizia não reconhecer o fotografado.
Naquele dia, C. voltava da Promotoria da Infância e Juventude, onde foi acompanhar um amigo que havia sido detido, um dia antes, durante a CPI da Merenda. Voltando para casa, desembarcou na Estação Socorro por volta das 21h. Ali, percebeu que havia cerca de sete policiais, alguns fardados e outros não, atrás dele.
Com medo, o estudante correu para sair da estação, mas, ao chegar às catracas um funcionário da G4S, empresa contratada pelo Governo de São Paulo para realizar o serviço de segurança das estações e trens da CPTM, agarrou o jovem. “Colocaram um negócio na minha cabeça, tipo uma touca para tampar a visão, e um negócio no meu nariz, com cheiro de álcool, que me fez desmaiar”.
Desmaios e spray de pimenta
O estudante acredita que ficou cerca de 15 minutos desmaiado e, quando acordou, estava em uma sala dentro da estação, onde foi torturado. “Eles começaram me mostrar fotos de secundaristas e fazer perguntas sobre eles. Eu dizia que não conhecia e eles começaram a me torturar. Bater na cara, joelhada, cacetada, puxão de cabelo”, relembra C.
Durante a sessão de tortura, de acordo com o jovem, dois policiais fardados e sem identificação jogaram spray de pimenta em seu olho e, por isso, afirma que perdeu parte da visão do olho direito. “Eu estava suando na testa, conforme eles foram tacando spray, foi escorrendo para os olhos e deu nisso: não enxergo mais quase nada”, lamentou o jovem.
Ele conta que desmaiou mais algumas vezes. Depois que ouvidos, boca e nariz começaram a sangrar, desmaiou de novo e, quando acordou, estava na Estrada de Itapecerica, no Capão Redondo.
Ferido, em um local que não conhecia, o secundarista pediu ajuda a uma taxista, que o levou para o Hospital Municipal do Campo Limpo, na mesma estrada. Mesmo ferido, o jovem ouviu que não poderia ser atendido porque estava sem identidade. A taxista, então, levou o estudante para o Hospital São Luiz, na região do Morumbi, onde finalmente foi atendido. Ele recebeu alta do hospital na madrugada do dia 16.
Procurada pela reportagem da Ponte Jornalismo, a Secretaria Municipal de Saúde informou que “não há registro de passagem do paciente no Hospital Municipal do Campo Limpo em 16/9”. Em nota, a pasta ainda disse que “todos os pacientes que chegam ao hospital são atendidos, mesmo sem portar documentos”.
De volta para casa, C. afirma ter sido acompanhado pelo Comitê de Mães e Pais em Luta, para denunciar a violência no Ministério Público do Estado de São Paulo. Neste ponto, as informações estão desencontradas. O Comitê diz que apresentou a ocorrência à Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Difusos e Coletivos da Infância e Juventude. A assessoria de imprensa do MPE, contudo, diz que não há nenhuma apuração em andamento sobre o caso de C.
O adolescente diz que recebeu um telefonema com ameaças após ter procurado o MPE. “Era uma ligação, uma voz de homem adulto que disse que, se eu fizesse o exame de corpo de delito, não passaria de tal dia e eles atirariam na minha cabeça”, disse.
Em 21 de setembro, entretanto, C. fez o exame de corpo de delito e depois se refugiou na casa de um amigo. “Esse dia foi meio estranho no lugar que eu estava ficando. Tinha uma viatura andando bem devagar na frente do apartamento que eu estava. Fiquei só trancado dentro de casa”, explicou o estudante, que ressalta que depois disso não teve mais contato com policiais.
“Menino da favela”
Morador de Paraisópolis, C.O. é estudante do 1º ano do ensino médio da Escola Estadual Maria Zilda Natel, que fica no Jardim Parque Morumbi. A escola foi uma das mais de 200 ocupadas pelos estudantes no ano passado, em protesto contra um projeto do governo Geraldo Alckmin (PSDB) que previa o fechamento de mais de 90 escolas.
Amigos do estudante acreditam que ele passou a ser perseguido pelas autoridades por causa de um episódio ocorrido na escola em agosto deste ano, quando C. discutiu com a coordenadora pedagógica Márcia Salles e acabou detido pela PM dentro da escola.
O jovem afirma que Márcia foi à sua sala e o chamou de “menino de favela”. Depois disso, C. explica que a confusão na sala se generalizou, “porque todos da sala são da periferia”. O estudante, então, se levantou para sair da classe e Márcia tentou impedi-lo.
Num vídeo enviado à Ponte por C., é possível ver que o menino levanta o braço e puxa a porta para sair. Não há nenhuma agressão visível. Neste momento, a coordenadora disse ter sido agredida pelo jovem e, por isso, chamou a polícia.
Nervoso com a situação, quando a PM chegou na escola, C. disse que agiu sem pensar. “Acabei perdendo a cabeça. Chamei um PM de fascista e acabei cuspindo nele”. O estudante foi levado ao 89ª Distrito Policial (Portal do Morumbi) por desacato.
Em contato telefônico, Márcia Salles disse que não chamou o estudante de menino de favela. “O que eu falei foi que quando era mais jovem também morei em favela e isso não é motivo de vitimização, porque eu consegui superar isso”, disse a coordenadora. Márcia diz que o vídeo mostra que ela foi agredida e se arrepende de não ter registrado boletim de ocorrência contra o estudante.
Outro lado
Procurada pela Ponte Jornalismo, a G4S, empresa responsável pela segurança dos trens e estações da CPTM, disse que “não houve nenhum registro de ocorrência desta natureza na data de 15 de setembro”.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, comandada pelo secretário Mágino Alves Barbosa Filho, também informou para a Ponte que “não houve registro de boletim de ocorrência sobre o fato” e que “a suposta vítima de agressão deve procurar a polícia civil ou formalizar denúncia na Corregedoria da PM para devida apuração”.
Mais agressões
No dia 27 de setembro, Rosana Cunha, mãe de um estudante secundarista, participou de reunião com representantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (órgão encarregado pela promoção e proteção dos direitos humanos no continente), para apresentar uma carta que conta sobre a perseguição e agressão a pelo menos outros dois estudantes secundaristas na cidade de São Paulo.
Rosana disse que os pais e mães de estudantes relataram a situação dos jovens para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Outra secundarista, a adolescente G.M.S., 17 anos, foi detida pela PM na madrugada de domingo (2), na Praça Roosevelt, região central de São Paulo, acusada de desacato, desobediência e resistência. Algemada por dois policiais homens, G. sofreu ferimentos nas mãos, braços e pés ao ser arrastada para a viatura.
Um mês antes, em 4 de setembro, a adolescente havia sido vítima de uma prisão ilegal, no Centro Cultural São Paulo, junto com outras 20 pessoas que se preparavam para participar de uma manifestação Fora Temer. No dia seguinte à prisão, o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo relaxou a prisão de todos os suspeitos e considerou a prisão “irregular”.
A discussão de G. com a polícia, na madrugada de domingo, começou depois que ela criticou uma dupla de PMs, Michel Albert de Castro e Maycom José Fonseca Xavier, que haviam abordado um jovem na Praça Roosevelt. Em seu depoimento na Polícia Civil, a menina disse que os policiais “vieram para cima dela” e ela fugiu porque não queria que dois policiais homens colocassem as mãos nela.
Na versão dos PMs, foram necessários dois policiais para conter a jovem de 17 anos por ela estar “muito exaltada”. Um deles, o soldado Albert, disse que se feriu no cotovelo esquerdo ao conduzir G. Segundo os policiais, a menina teve de ser algemada por sua própria segurança, para evitar que ela “continuasse se debatendo dentro da viatura policial e viesse a se lesionar”. Um outro jovem de 20 anos também foi detido, acusado de jogar uma garrafa contra os policiais durante a discussão.
Após o registro do boletim de ocorrência na Polícia Civil, todos foram liberados. O delegado Rogério de Camargo Neder, plantonista do 78º DP (Jardins), determinou abertura de inquérito e exame de corpo de delito tanto nos policiais como na adolescente.
—
Fonte: Ponte.
Ilustração: Junião.