Por Catiúscia Custódio de Souza*.
A modernidade, o século XXI canta os louros da evolução humana nos campos da tecnologia, da biologia e dos direitos humanos. A mídia nacional e internacional, os movimentos sociais, as ONGs e as lideranças mundiais comprometidas com a luta pelo cumprimento dos direitos humanos e o respeito pelas identidades, religiosidades, sexualidades e tantas outras diferenças inerente a humanidade, “festejam” uma era de “liberdade, igualdade e fraternidade”. Nunca na História da humanidade as diferenças foram tão bem discutidas, aceitas e inclusive reconhecidas juridicamente. Podemos citar, por exemplo, o crime de racismo, a violência contra a mulher e o casamento gay que já possuem legislação efetiva em vários países do mundo, inclusive no Brasil. A homofobia, por exemplo, apesar de ainda não possuir aparato jurídico legal, pelo menos no Brasil, já está sendo amplamente discutida na sociedade e combatida através de campanhas de esclarecimentos e conscientização da diferença sexual. Em curso também, estão às lutas de inclusão social, econômica e política através do respeito e garantia dos direitos das minorias que podem ser encontradas, por exemplo, na Declaração dos Povos Indígenas e Minorias elaboradas pela ONU em 2007.
Não podemos esquecer-nos do debate inflamado e mais veiculado atualmente sobre os problemas ambientais que o mundo vem sofrendo devido a exploração desenfreada do homem através do sistema capitalista de produção e consumo. Este debate causa alvoroço e múltiplas opiniões sobre o aquecimento ou não do planeta e suas conseqüências. Há especialistas que falem até de resfriamento global e o surgimento de uma globalização verde, ou seja, capitalismo se adequando as transformações, ou como diria Marx criando seus novos problemas e soluções e emergindo renovado de suas próprias crises. Este debate gera lutas pela preservação do planeta e colocam em voga formas e estilos de vida sustentáveis o que também ajudam a reconhecer culturas diferenciadas, como no caso dos povos indígenas que vivem em áreas demarcadas e as quais se sabem são as mais bem preservadas, pelo menos no Brasil.
Nessas inúmeras lutas por direitos e reconhecimentos sociais, econômicos e políticos espalhados pelo mundo através de múltiplos atores sociais engajados em diversas organizações sociais, sejam elas ONGs, sindicatos, associações de bairro, movimentos de ocupação, fóruns, redes sociais entre outras a humanidade vai dando seu grito! A humanidade vai, ou pelo menos parte das pessoas que habitam este planeta vão dando o seu recado: “Não queremos mais desigualdade, miséria, violência, preconceito, exploração! Não queremos mais ser fantoches, não queremos mais ser enganados, queremos viver felizes, com respeito às diferenças, promovendo um meio de vida sustentável para nós e para as futuras gerações! Chega de homofobia, xenofobia, machismo, racismo e tantos outros ismos!
Desta maneira, se dá a luta pela diferença na igualdade, ou igualdade na diferença ou como noz diz Boaventura de Souza Santos (2010): “Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos inferioriza, mas, devemos lutar pela diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza”. Bom, poderíamos nos deter longamente sobre as lutas sociais, políticas e econômicas que estão em curso atualmente, falando de suas bandeiras, de seus atores e de suas conquistas, porém não é esse o meu objetivo nesse pequeno texto. O que verdadeiramente me intriga e me preocupa neste cenário global de mobilização social é até que ponto o preconceito verdadeiramente esta caindo por terra? Até que ponto realmente os direitos humanos estão sendo cumpridos? Até aonde vai a tolerância e o respeito do ser humano por outro totalmente diferente política, religiosa, sexual e culturalmente diferente? Qual o limite do capitalismo para aceitar modos de vida alheios à produção e ao consumo moderno? Certamente todas estas perguntas habitam as mentes e os corações de muita gente e eu particularmente penso muito sobre isso, aliás, todos os dias. Eu, infelizmente não tenho ainda a resposta perfeita para todos estes questionamentos, no entanto alguns estudos e algumas análises empíricas me fornecem algumas pistas.
Primeiro, o preconceito não encontrou o seu fim e dificilmente encontrará tão cedo, como diz a professora Joana Prado “no máximo conseguimos nos policiar todos os dias”. Realmente, concordo, afinal são séculos de patriarcalismo, colonização e escravidão que foram empreendidos pela cultura ocidental européia (nobreza + burguesia + igreja católica) às mulheres, aos indígenas e aos negros. E todas as conseqüências que derivam disso não desaparecem facilmente com o chamado sistema democrático no qual dizem que vivemos. Querem exemplos disso? Hoje facilmente se comprova isso e dá maneira mais fácil possível. Quem tem um perfil no face book pode perceber isso, não canso de olhar as postagens das pessoas, sempre com aquele olhar critico percebo o machismo sendo amplamente difundido, assim como o preconceito religioso, a homofobia, a xenofobia, a apologia ao capitalismo através da indução ao consumo e tantas outras coisas mais. É inacreditável, mas isso tudo está lá, no face book. Há alguma coisa de errado, vocês não acham? Esses dias no meu blog e no face book postei uma denuncia sobre decisões unilaterais do governo brasileiro em relação à demarcação das terras indígenas bem como o usufruto das respectivas terras. Não tardou, apareceram inúmeras postagens reverenciando tais decisões, chamando os indígenas de neolíticos e fazendo apologia ao sistema capitalista. Vou confessar, fiquei perplexa! E casos como esse se espalham pelas redes sociais todos os dias a todo o momento. E aí, logo surge o celebre indagamento: e a liberdade de expressão? Então, faço tantas outras perguntas: de que liberdade de expressão estamos falando? A liberdade de expressão aceita todas as manifestações, independente de seu caráter discriminatório?
Indo mais além, percebemos que, por exemplo, em relação à causa feminista, mulheres do mundo inteiro, se organizam, empreendem lutas por igualdade salarial, direito ao aborto, emancipação social e política, fim do machismo e tantas outras lutas. No entanto, quanto a este último, o machismo, outra infinidade de mulheres se rendem aos ditames do mercado da beleza e da exploração sexual buscando poder e emancipação naquilo mesmo que as fazem escravas, o poder sexual! Não podemos é claro, esquecer que esse fator se dá por diferente motivos em diferentes territórios, fruto dos sistema capitalista. Mas minha referencia aqui se dá ao grupo de mulheres que realmente optam por isso e não por aquelas as quais a vida de alguma maneira impõem isso.
No campo religioso, vemos no Brasil um fenômeno crescente. Os evangélicos crescem em número todos os dias pelo território brasileiro e ocupam inclusive espaços políticos nas câmaras e no senado. É pra quem não sabia o Estado infelizmente não é laico! É absurdo pensar em partidos religiosos, pois a existência deles pressupõem exclusão e segregação religiosa e sexual. Os evangélicos, por exemplo, empreendem sua fé de maneira inquisidora, discriminatória e intolerante sem espaço para diálogos. Imaginem agora que querem mudar as diretrizes de análise psicológica para homossexuais a fim de tratá-los como doentes. Em fim o que estes criticavam no catolicismo, agora empreendem sem limites. A Igreja católica apesar das alterações sofridas ao longo do tempo a fim de manter seus fiéis não consegue aumentar seu rebanho em virtude de sua organização hierárquica e patriarcal secular e também em virtude dos seqüenciais escândalos de pedofilia dos padres e bispos no mundo inteiro.
O modelo de vida capitalista, ou mais precisamente norte americano pautados no liberalismo, puritanismo e modelo de democracia está sendo enfiado de goela abaixo a todos os cantos do globo. Os EUA não respeitam nada, nem ninguém e tão pouco o que se chama de Direitos Humanos. Espalham bases militares por todo o planeta, promovem invasões militares, golpes de Estado, torturas e mortes. E fazem tudo isso em nome da democracia, proclamando-se o “salvador da humanidade”. A ONU, nada mais é que um fantoche dos EUA, que pelo que a história já provou é apenas uma figurante naquilo que chama de luta pela paz. Depois do Afeganistão, do Iraque, do Irã, do Egito, agora assistimos a Síria sendo bombardeada e almejada pelo Imperialismo norte-americano e também o Paraguai sendo seu pequeno brinquedinho na América do Sul. Como dizia Che Guevara: “o capitalismo é o maior genocida do mundo”.
A crise do capitalismo tem produzido desemprego, fome, miséria, medidas de austeridade pelos governos, e todo tipo de conflito que derivam dessas conseqüências. Os casos de xenofobia aumentaram ainda mais nesta Europa em crise econômica. A discussões e medidas que tratam das questões ambientais perderam força também por conta desta crise. A Rio+20 foi uma piada! As lideranças governamentais se esquivaram de compromissos e deixaram tudo para o eterno depois! E o Brasil que encapou esta pseudo luta não para de empreender o seu desenvolvimento a torto e a direito, deixando os povos indígenas e as minorias no lugar em que sempre estiveram na história, à margem. Isto se revela nas inúmeras hidrelétricas, estradas e estruturas esportivas que estão sendo construídas em nosso país. É a verdadeira marcha da segregação!
Não podemos esquecer-nos da Comissão da Verdade que está tramitando em nosso país. Apesar da inegável importância da memória histórica, o que as famílias de desaparecidos, assassinados e presos políticos querem é justiça! Ou seja, o julgamento dos torturadores. Pois a memória, estas famílias já as tem e para sempre! E para quem tem acompanhado os noticiários e as mídias alternativas de informação, as represálias que os movimentos em prol da verdade e justiça da ditadura tem sofrido são inúmeras, seguidas de roubos, ameaças e telefonemas “proféticos de uma nova ditadura”.
Em fim, há uma infinita gama de questões que implicam diretamente na luta e no cumprimento dos Direitos Humanos e dos Povos e Minorias. Há uma série de processos políticos, econômicos e sociais em curso que alteram e interferem de forma contundente a vida humana e a convivência pacifica respeitosa e consciente entre as diferentes culturas que habitam nosso planeta. E apesar de o preconceito estar longe do fim, apesar de idéias fascistas e nazistas ainda persistirem e o capitalismo predatório ainda se impor, a luta contra isso tudo não acaba nunca, esta em constante movimento através de atores sociais que nunca de calam e que marcham constantemente por meio de suas organizações para uma sociedade onde os homens/ as mulheres realmente estejam em primeiro lugar!
*Historiadora
Imagem tomada de: blog.pucp.edu.pe