Sábado, 19 de maio. Chego em Natal, Rio Grande do Norte, uma da madrugada. Francisco Júnior, do Conselho Nacional de Saúde, gentilmente dá uma carona até o Centro de Formação João Paulo II, na Ponta Negra e atualiza eu e Iracema, da equipe do TALHER nacional e cearense do Cariri, sobre a política local e a seca que assola o Nordeste.
Cedo, ligo a televisão, notícias de Mossoró, segunda maior cidade do Estado e do semiárido: seca, seca e seca. Caminhões abastecem comunidades com água, o drama de sempre, animais magros, meses sem chuva, dor e tristeza. Abro a janela, vejo o belo mar da Ponta Negra em frente e… está chovendo. O pessoal do Centro João Paulo II diz que não chovia fazia semanas: “Eu trouxe chuva do sul. Vamos ver se ela também vai para o sertão”.
Mística inicial do dia na reunião da Coordenação Nordeste da Rede de Educação Cidadã (RECID) na varanda, em frente ao mar. Molho as mãos com os pingos de água que caem da calha do telhado, e passo com carinho no rosto dos educadores e educadoras como sinal de chegada e de esperança. A pergunta é: que significam a água e chuva na vida de cada um? Falo que sou filho de agricultor, para quem a chuva é sempre bem vinda, é uma bênção. Neide, de São Miguel do Gostoso, RN, diz que sua plantação de milho espera que a água caia do céu. Adriana, de Taipu, RN, fala do feijão de sua lavoura sem água.
Educadores e educadoras contam que, felizmente, apesar da seca, não se veem mais os históricos saques em cidades, o povo faminto buscando comida onde ela estivesse, ou a debandada geral para o sul. Programas e políticas sociais como o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos, as medidas de emergência anunciadas há semanas pela presidenta Dilma na Bahia dão outro quadro à realidade social de fome e miséria que se conhecia historicamente no semiárido nordestino.
Entro na Internet, abro a edição do dia da Folha do Mate, de Venâncio Aires, minha terra, Rio Grande do Sul. A manchete: “Seca ‘verde’ é sentida no interior de Venâncio”. Uma foto com um açude de pouca água barrenta, bois e vacas na sua beira e a explicação: “O verde, que ostenta a paisagem do interior de Venâncio Aires, mascara a realidade da falta de água potável para consumo humano. A situação vem perdurando desde outubro de 2011 e, desde então, a prefeitura vem socorrendo as famílias rurais com cargas de água para dessedentação humana. A estiagem também vem diminuindo o volume de água armazenada para o consumo de animais e secando os arroios e córregos. E, para piorar a situação, as previsões não são muito otimistas, pois apontam pouca chuva para os próximos dias”.
Domingo, 20 de maio, compro o Tribuna do Norte no aeroporto de Natal por causa de suas manchetes: “PELOS CAMINHOS DA SECA – Histórias e efeitos de uma seca não anunciada. Cenários desoladores abatem o homem do campo. Depois de previsões frustradas de um bom inverno, o que se vê pelo interior do Rio Grande do Norte é um céu sem nuvens, o mato seco e a terra rachada. O gado começa a morrer e o sertanejo relembra os anos de estiagem, como há muito não se via.”
23 de maio, Palácio do Planalto, plenária do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar). A Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), que reúne centenas de entidades e organizações, apresenta um documento, onde diz: “O semiárido brasileiro neste momento está mergulhado em uma das secas mais cruéis e devastadoras dos últimos 30 anos. Da chegada dos portugueses aos dias atuais, já se somam 72 grandes secas com características similares. Mais de 500 municípios encontram-se em estado de emergência. As plantas cultivadas no entorno das casas, quintais produtivos, estão morrendo, os rebanhos dizimados e as reservas de semente, organizadas em casas e bancos comunitários ou familiares, correm o risco de desaparecer frente à necessidade de alimentação da população. Desde o ano passado não chove o suficiente para acumular água nas cisternas para consumo da família e da produção.”
A ASA louva as políticas e programas dos governos Lula e Dilma que diminuem o drama e “dão sua parte para garantia mínima da dignidade das pessoas”: Bolsa Família, a construção das cisternas para captação de água, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o crédito à agricultura familiar e os processos de assistência técnica, o Seguro Safra, entre outros.
Mas tudo isso não é suficiente. São necessárias, segundo a ASA, mais ações emergenciais e o ‘cuidado cidadão’, ações estruturantes, ações no campo da captação de água e de acesso à terra, da assistência técnica e crédito, da comercialização, venda de produtos e bancos de sementes. “O semiárido não precisa de bondade. Precisa de justiça, solidariedade e de que os direitos de seus filhos e filhas sejam respeitados. O que o semiárido quer é a continuidade e aprofundamento da política de convivência com o semiárido e que seja cada vez mais afastada e erradicada a política de combate à seca.”
As mudanças climáticas, os acidentes naturais não previstos estão acontecendo em todos os lugares e em escala mundial. A Rio+20 e a Cúpula dos Povos acontecerão mês que vem no Rio de Janeiro. Hora de (re)pensar os modelos de desenvolvimento, hora de abraçar uma sociedade do Bem Viver.
Choveu todo fim de semana em que estive em Natal. Chove no Nordeste e no Sul em 24 de maio, quando escrevo este artigo. É a esperança, nascendo sempre de novo nos olhos do povo trabalhador. É a bênção, para quem luta pela vida.
Em vinte e quatro de maio de dois mil e doze.
*Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
Fonte: Adital