“Se o Estado não nos deixa dormir, por que vamos deixá-lo sossegado?”

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A fala de Débora Silva, fundadora do coletivo Mães de Maio, ilustra bem o tema da segunda mesa do seminário A Periferia No Centro, que debateu a articulação em rede contra a violência na periferia.

Falar sobre violência na periferia requer, essencialmente, que se discuta a violência contra a juventude negra e, consequentemente, o racismo. Os conceitos que ajudaram a construir, ao longo da história, a exclusão da população negra e como isso se conecta diretamente com o sistemático genocídio dessa população foi a pauta que norteou a segunda mesa de do seminário A Periferia no Centro, organizado pela revista Fórum e realizado nesta sexta-feira (14), no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo.

Participaram da discussão, que foi mediada pelos jornalistas Igor Carvalho e Anna Beatriz Anjos, Douglas Belchior, da UniAfro, Débora Silva, fundadora do coletivo Mães de Maio, Silvio de Almeida, advogado presidente do Instituto Luiz Gama e Dennis de Oliveira, professor e colunista da Fórum.

Douglas Belchior, que deu início às falas da mesa, lembrou da recente chacina em Belém (PA) em que, até agora, houve a confirmação do assassinato de 9 jovens. Movimentos da região, no entanto, suspeitam que mais de 35 jovens tenham morrido, dado que é completamente blindado pela chamada “grande imprensa”. Para Belchior, a articulação em rede é fundamental para combater esse tipo de genocídio que, na opinião dele e dos demais convidados, é sistemático no país.

“O que tem de informação mais próxima da realidade só existe por conta da nossa imprensa, que nós alimentamos”, disse, referindo-se aos veículos alternativos e de mídia livre.

“Se tem um povo nesse país que teria motivos para ter ódio, que teria motivos para sair atirando, esse povo é o povo negro. E essa população nunca, em nenhum momento, sequer pediu um ‘empate’. Nossa elaboração histórica sempre foi que queremos que a riqueza produzida por esse país possa ser dividido por todos. O nosso papel como órgãos e como instrumentos de comunicação, nesse sentido, é fazer frente ao discurso que legitima o genocídio da população negra”, completou.

Débora Silva, fundadora do coletivo Mães de Maio, sabe bem o que é pertencer a uma população que é o alvo de violência do Estado. Ela fundou o coletivo depois de perder o filho nos chamados “Crimes de Maio”, ação paramilitar que assassinou aproximadamente 500 jovens, em sua maioria negros, em maio de 2006. A ativista contou a história do coletivo e ressaltou quem julga ser o responsável pela violência contra a população da periferia. “Quem está por trás do genocídio da população negra é quem tem o dinheiro e a lei. É o ‘capitão do mato’. Temos que ter união”, afirmou, completando ainda com a fala que intitula a matéria: “Se o Estado não nos deixa dormir, por que vamos deixá-lo sossegado?”

Silvio de Almeida, do Instituto Luiz Gama, relatou em sua fala alguns episódios de racismo que presenciou e sofreu ao longo de sua vida e analisou de que maneira isso se conecta com a violência a que os negros estão, historicamente sujeitos. “Não foi o racismo que gerou a escravidão, foi a escravidão que gerou o racismo”, disse. A partir de sua análise, Almeida enfatizou o fato de que a imprensa hegemônica compactua com a lógica preconceituosa e excludente pela qual a mentalidade brasileira foi pautada e que por isso é importante que existam veículos que exponham pensamentos divergentes a esse discurso. “Enquanto não houver reforma dos meios de comunicação, não haverá democracia”, afirmou.

O professor da ECA-USP Dennis de Oliveira aproveitou sua fala para desconstruir o conceito de que a violência contra a população periférica seja algo isolado. Ele afirmou que isso é algo recorrente na política e, por consequência, na sociedade. Para Oliveira, assim como para Silvio de Almeida, a mídia tem papel fundamental para desconstruir e barrar esse tipo de pensamento excludente e intolerante, mas atualmente vive em crise. “O grande problema que temos que enfrentar é que existe uma crise de duas grandes instituição mediadoras: uma delas é a mídia, que não só está em crise como as pessoas cada vez mais estão dando nenhuma bola para ela. Isso por que hoje informação circula sem a necessidade dessa mediação. E isso é ótimo. Outra coisa é que há uma crise de mediação nos partido políticos. Isso é fato. Quantos desses jovens, a chamada nova classe C, estão militando em partido político? Mas há uma demanda política, através dos coletivos, das comunidades, das redes”, analisou.

Fonte: Revista Fórum

Foto: Divulgação

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