Se essa rua fosse nossa: coletivo propõe discussão sobre relação da mulher com a cidade

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Por Débora Fogliatto. Como você, mulher, se sente na rua? O que acha dos comentários feitos pelos homens sempre que alguma mulher passa? Você anda nas ruas sozinha à noite?

É para questionar e refletir a respeito da resposta para essas perguntas, pensando na relação das mulheres com a cidade, que surgiu o coletivo “Se essa rua fosse nossa”, criado há cerca de duas semanas. Com o objetivo de colher depoimentos e entender como as outras mulheres se sentem nas ruas, estudantes do curso de Arquitetura da UFRGS começaram a se articular, no início do mês de março, para criar uma página do Facebook e realizar ações por Porto Alegre.

Em sete dias, a página atingiu mais de 7 mil curtidas, número significativo considerando que se trata de um projeto ainda em desenvolvimento. Nesta segunda-feira (10), o grupo lançou o primeiro teaser do vídeo com depoimentos que foram colhidos durante seis dias, para o qual foram entrevistadas dezenas de mulheres. Quase de imediato, o coletivo cresceu e atualmente inclui jovens mulheres de diversos cursos, faculdades ou sem vínculo com universidades.

O grupo de organizadoras também cresceu e, atualmente, conta com cerca de 80 meninas que colaboram de alguma forma. “O mais legal está sendo a questão do diálogo e de conseguir conversar com as pessoas, conseguir ter essa resposta pela empatia, conseguir fazer a pessoa parar e pensar ‘eu não estou sozinha’”, resume Laura Krebs, estudante de Arquitetura e bolsista da UFRGS e uma das idealizadoras do projeto.

A inspiração para o “Se essa rua” surgiu de experiências individuais de cada mulher, sejam membras do grupo ou não. “Com 12 anos a minha mãe me disse que eu tinha que cuidar com que roupas eu saía. Por dois anos, teve uma obra do lado da minha casa, eu passava por ali e eu escutava a mesma coisa todos os dias. Eu pensava ‘qual é o teu problema, por que tu está fazendo isso? Qual é o objetivo?’”, problematiza ela.

Assista o vídeo aqui.

Você é elogiada ou assediada?

A recepção positiva ao projeto tem sido atribuída principalmente ao fato de se tratar de um assunto que todas as mulheres compartilham. As organizadoras contam que algumas vezes, enquanto colhiam depoimentos, conversaram com mulheres que não percebiam a opressão que sofriam. “Na Redenção, abordamos mulheres que estavam juntas e quando perguntamos se elas sofriam algum tipo de assédio elas falaram que não. Então a gente perguntou ‘mas ninguém nunca fala nada para vocês?’ E elas ‘sim, toda hora’. Então para elas uma coisa não batia com a outra”, relata Laura Romanowski Wainer, estudante de Psicologia da UFRGS.

As meninas entendem que o mais importante dentro da proposta é a reflexão e o diálogo, e preferem não apresentar verdades prontas para as outras mulheres. “Não queremos impor uma verdade, mas estar aberta ao fato de que as pessoas têm opiniões diferentes e discordam. Claro que consideramos assédio um desrespeito, mas queremos dialogar com quem pensa diferente também e fazer com que elas se questionem”, afirma Laura Wainer.

A ideia das “cantadas” na rua como algo natural já está introjetada na sociedade, conforme refletem as jovens. “As pessoas consideram (o assédio) algo normal, não é mal visto. Os homens se sentem na autoridade e as mulheres recebem como algo natural”, lamenta Júlia Franz, artista plástica.Uma das maiores discussões do grupo foi para decidir as frases que constariam nos 1500 adesivos que imprimiram. Algumas meninas defendiam que fosse utilizada a pergunta “Você é elogiada ou assediada?”, enquanto outras acreditavam que era preciso colocar uma frase em que estivesse mais explícito o caráter de assédio das “cantadas. “Existem mulheres que se sentem elogiadas porque isso foi inserido na cultura delas, então o objetivo é ouvir, entender, questionar e deixar para as pessoas decidirem o que elas pensam”, explica Laura Krebs, sobre a escolha final de manter esta pergunta nos adesivos.

Grupo feminino 

Exatamente para criar empatia e identificação, o grupo é formado apenas por mulheres. O fato de “olhar para o lado e ver que quem está ali são mulheres”, conforme define Júlia, é empoderador para as integrantes. “Muita gente com certeza tem essa sensação de isolamento, de que ‘isso só acontece comigo’. E não, quando as pessoas vão contando como se sentem, eu vejo que não estou sozinha”, analisa a jornalista Roberta Fofonka.

A compreensão pelo que cada uma passa também causa uma identificação entre as mulheres, segundo elas. “Quando estou andando sozinha na rua à noite, é sempre muito confortável quando tu vês outra mulher. Ou quando tem alguém atrás de mim e vejo que é uma mulher fico aliviada”, conta Roberta. “Eu vivo um medo que meu amigo, meu pai não sentem. Não é só ser assaltada”, completa Laura Krebs.


A pergunta feita pelo “Se essa rua” já foi respondida por dezenas de mulheres, de diversas formas. No Facebook, o questionamento podia ser respondido a partir de comentários em um post ou por um formulário anônimo, que recebeu 150 contribuições. Além disso, mulheres de todas as classes sociais, etnias, identidades de gênero, orientações sexuais e idades foram entrevistadas nas ruas, em diversas ocasiões, no Largo Glênio Peres, nas faculdades UFRGS, PUC e ESPM, na Cidade Baixa e no Parque da Redenção.Como você se sente na rua?

A ideia é justamente ouvir uma grande pluralidade de mulheres, para conseguir dar voz a elas, conforme define Laura Wainer. “Dando voz a essa causa, a gente faz com que outras pessoas pensem a respeito. Isso faz com que a pessoa debata com quem está ao seu lado e, aos poucos, a ideia de mudança vai se naturalizando”, afirma.

As próprias integrantes narram o que sentem quando estão caminhando, andando de bicicleta, ônibus ou táxi pela cidade, especialmente à noite. “Como mulher que se relaciona também com mulheres, é muito difícil. Os homens acham que a questão sexual da mulher é ‘para eles’”, narra Júlia, lamentando que o medo de assédio a impeça de olhar as pessoas nos olhos enquanto caminha. “No mural que fizemos no Dia da Mulher, as mulheres escreviam o que fariam se a rua fosse nossa e para mim é exatamente isso, eu poderia olhar no olho de alguém. Acho que eu não teria mais medo do escuro”, completa.

Laura Krebs vai a pé para a maioria dos lugares e conta que se sente “constantemente analisada”. A insegurança nas ruas funciona como um ciclo vicioso, conforme define Laura Wainer. “A gente pensa ‘por que as pessoas não andam na rua?’, é uma coisa que se retroalimenta. Quanto menos pessoas estiverem na rua, mais perigosa vai ficar e menos pessoas ainda vai ter. É claro que as mulheres também têm medo de assalto, mas já não nos importamos tanto com teus bens materiais porque o que está em jogo é tu mesma”, conclui.

Foto: Reprodução/SUL 21

Fonte: SUL 21

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