Por Claudia Weinman.
Ontem nem consegui escrever muito. Só uma nota simples.
Ontem três pais perderam suas crianças no assassinato da creche, em Saudades, muito próximo de onde vivo.
Ontem duas crianças perderam seu pai, o Paulo querido do Brasil.
Ontem não acabou e não tem jeito de acabar.
Acordei hoje sem saber se era vida mesmo, essa que estamos, e que se fosse, mas credo quanta angústia.
Ontem acordou comigo hoje nessa manhã que não sabe é frio ou calor. Ontem foi comigo até o banheiro lavar o rosto e depois sentou.
Peguei o chimarrão das mãos do companheiro e vi o ontem no livro de geografa à minha frente. Ontem falou comigo dizendo que não terminou.
Ontem não vai embora, ontem ficou. Meu coração está em pedaços porque o ontem não vai dar adeus.
Ontem o mundo viu que a professora “vagabunda” ofereceu sua vida na defesa dos inocentes. Ontem meu sobrinho de sete anos chorou porque os pais tinham que ir para escola. Ontem a vó dele, minha mãe, nem teve resposta. Só disse: a vó está aqui, não precisa ter medo.
Ontem fecharam o portão da casa deles com cadeado e as portas foram trancadas. Ontem outras escolas fecharam seus portões e colocaram alguém para cuidar.
Ontem é hoje e será assim de novo. Já não é seguro voltar. Hoje será ontem pois a mãezinha que deixou o filho na creche não conseguiu buscar. O paizinho só recebeu um corpo em seus braços e nem pode direito abraçar.
Ontem o nosso estado foi notícia internacional e a gente aqui tão perto, gritou e depois fez silêncio. Às vezes a dor é tamanha que nem cabe em uma mensagem.
Hoje acordei com o ontem mirando a face.
Ei, esperança! Não abandone a gente.
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Claudia Weinman é jornalista, vice-presidenta da Cooperativa Comunicacional Sul. Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR).
