(Para S. R. V. S.)
Ela vinha andando dentro do tempo, pequena libélula do Passado, com suas asas transparentes adejando dentro da tarde de frio e de sol, e usava sapatinhos de um cristal mágico, que tinham a textura do diamante. Caminhava no seu passinho seguro de quem aprendeu a dominar os medos e as asperezas da vida e ter uma imensa compreensão das coisas. Vinha pela calçada por onde já passara tantas vezes, decerto onde um dia brincara no tempo em que no lugar da calçada houvera erva boa de pisar – vinha segura, creio, porque decidira que era o tempo de saber mais. Saber mais é uma coisa que faz bem, mesmo quando, às vezes, possa nos encher de angústia, como quando se compreende a natureza vil das guerras.
Não era guerra, no entanto, mas uma passarela de paz que se estendia por aquela calçada que ela pisava, decidida, com seus sapatinhos de cristal. Levava na bolsa, como num relicário, um fugaz instante do Passado materializado de tal forma que resistira ao Tempo, e toda a Magia do mundo cabia dentro dele.
E andava decididamente, e os tacãozinhos dos seus sapatos mágicos iam deixando marcas de diamante por onde passava, faiscantes marcas como pequenos diamantes que eu continuo a ver a cada vez que passo por aquela rua, depois disso, faiscantes diamantezinhos tão cheios de brilho, mesmo em dias de chuva, que a cada vez que passo me deixam como que ofuscada de felicidade.
E a cada passo ela vencia o Tempo e marcava a sua passagem com os sapatinhos de cristal, e mais adiante eu a esperava segurando no côncavo das mãos meu coração que pulsava toda a violência da emoção e as tantas ansiedades da espera que não sabia que um dia teriam termo, pois não imaginara, nunca, receber tanto da vida!
E, borboleta que me era difícil não ver libélula, agitando as asas transparentes, espargindo diamantes por uma calçada que fora comum, mas que nunca mais seria a mesma, ela foi se aproximando decididamente. Embora eu sequer tivesse coragem para olhá-la, sabia da sua grandeza e dos seus sapatinhos de cristal, e tinha tão pouco para lhe dar em troca daquela mão estendida… Dissera-lhe apenas:
– Tenho um cachorro preto e um carro vermelho…
Ela era muito grandiosa, porém. Passou pela barreira do Tempo e me cumprimentou como se o fizesse todos os dias, coração enorme que podia abarcar o mundo e deixar diamantezinhos fulgurantes por onde passava! Nunca será possível esquecer.
Blumenau, 11 de Abril de 2015.
Urda Alice Klueger é escritora, historiadora e doutora em Geografia.