São Paulo: o que muda com o novo Plano Diretor

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Por Nabil Bonduki. Quando a Câmara dos Vereadores de São Paulo aprovou ontem (dia 01/07), depois de nove meses, o novo Plano Diretor Estratégico da Cidade (PDE), centenas de sem-teto, que haviam acampado em frente ao Legislativo, soltaram fogos de artifício. O novo PDE, que vigorará por dezesseis anos, não converte a maior cidade do país num exemplo de igualdade; nem a reconciliará, a curto prazo, com a Mata Atlântica, sua vasta rede de rios, os vales e montanhas em meio aos quais se ergueu. Mas demonstra que a especulação imobiliária não é invencível. Ela pode ser revertida progressivamente, com políticas corajosas e, em especial, com mobilização da sociedade.

Proposto pela prefeitura em agosto de 2013, o PDE suscitou um amplo processo de audiências públicas, às quais a mídia tradicional fechou os olhos. Era previsível. Basta observar, a cada dia, o vasto espaço ocupado nos jornais pela publicidade de lançamentos imobiliários para constatar: a cidade, para as construtoras e a velha imprensa, não é um espaço de convívio e debate democrático, mas um território a ser colonizado pela lógica da acumulação e do lucro. O boicote, porém, não vingou. As audiências ocorreram e — ainda mais importante — algo imprevisto sucedeu, ao longo de seu transcurso. Um setor historicamente empurrado para as margens da cidade e da política tradicional irrompeu no centro da cena. No período decisivo de tramitação do Plano Diretor, os sem-teto ocuparam dois imensos terrenos, nas periferias Sul e Leste de S.Paulo. Mas não se confinaram a estes redutos. Fizeram exigências à Prefeitura. Manifestaram-se (sempre dezenas de milhares de pessoas) diante da Câmara. Ocuparam avenidas, às vésperas da Copa do Mundo. Se o país pode gastar bilhões com a construção de estádios moderníssimos – avisaram — tem de ser possível aprovar leis que tornem as cidades menos arcaicas.

Urbanista ligado aos movimentos pelo Direito à Cidade, o vereador Nabil Bonduki (PT) foi o relator do Plano Diretor. No texto abaixo, publicado originalmente no site “Cidade Aberta” ele expõe em detalhes o que muda, a partir de agora, nos parâmetros legais que definem a expansão de São Paulo. Dois pontos destacam-se. A moradia social ganha importante espaço. As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), onde pode haver desapropriações para habitação popular, passam a ocupar 33 km² — contra 17 km², no PDE anterior. Ai, 60% das construções deverão ser destinadas a famílias cuja renda está abaixo de 3 salários-minimos. Elas não ficarão confinadas aos rincões da periferia. Agora, as ZEIS expandem-se por bairros centrais e históricos, como Bela Vista, Brás, Santa Ifigênia, Campos Elísios e Pari. Se a pressão dos movimentos populares se mantiver, e a letra da lei virar realidade, estará aberta uma brecha na muralha de segregação social que separa as “zonas nobres” do subúrbio.

Além disso, uma norma inteligente permitirá contrabalançar, em parte, a marcha desumanizante da especulação imobiliária. Para erguer novas construções, será preciso levar em conta a dinâmica do transporte coletivo. Prédios mais altos, só em torno das linhas do metrô ou dos corredores de ônibus — o que valoriza estas artérias. No miolo dos bairros, edifícios de no máximo 28 metros. Ou seja: embora mantenha sua força, o mercado será forçado a colocá-la em sintonia com políticas públicas.

Há outras inovações importantes. A cidade reconhece que tem uma Zona Rural (situada na periferia Sul, ocupando 25% do território) — o que permite estabelecer estímulos fiscais à agricultura orgânica e ao turismo ecológico. Para refrear a ditadura do automóvel, punem-se, com impostos mais altos, prédios com mais de uma vaga de garagem por apartamento. Para aproveitar melhor o escasso espaço urbano (e evitar seu encarecimento incessante), estimulam-se prédios residenciais que reservem seu andar térreo para comércio. Instituem-se Zonas Especiais de Proteção Ambiental (ZEPAms), visando dobrar a área do município ocupada por parques. Cria-se um Corredor Cultural, tendo como eixo o antigo Cine Belas Artes — cuja reinauguração, após intensa luta, ocorrerá logo após a Copa do Mundo.

 

Adensamento populacional nos eixos/cidade compacta

A construção de prédios altos na cidade, hoje dispersa, será reordenada, concentrando o adensamento construtivo e populacional ao longo dos eixos de transporte de massa. O plano propõe tornar a cidade mais “compacta”, com mais pessoas morando em áreas já urbanizadas, reduzindo desse modo, os deslocamentos, e aproximando moradia e emprego. Ao mesmo tempo, áreas mais periféricas receberão maior infraestrutura e emprego, com a implantação dos Polos de Desenvolvimento Econômico, o que também contribuirá para melhorar a ofertas de serviços nessas regiões e reduzir os deslocamentos.

O processo de adensamento ao longo dos eixos somado ao desenho da malha de corredores de ônibus estruturados na cidade, que foram propostos pela prefeitura, e da construção de ciclovias, contribuirá para a racionalização do uso do automóvel.

Por outro lado, as zonas estritamente residenciais serão preservadas e haverá um limite de altura de 28 metros nos miolos dos bairros, evitando os espigões. Dessa forma, o Plano regulará a atuação do mercado imobiliário levando-o para a onde a cidade deve crescer e restringindo onde não deve mais.

 

Recriação da zona rural

Após 12 anos de extinção, a zona rural, no extremo-sul da cidade, será recriada e abrangerá 25% do território paulistano. O objetivo é conter a expansão horizontal da cidade, proteger o que resta do cinturão verde, aliando à ideia de cidade compacta, e fazer essas áreas serem melhor utilizadas, criando emprego e renda com atividades que garantam a preservação do meio ambiente, como a agricultura orgânica e o ecoturismo.

 

Limite de vagas de garagens

Na construção de novos prédios, será permitida sem cobrança extra a construção de uma vaga por unidade residencial e uma vaga para cada 100m2 de área construída em empreendimentos não residenciais. Será cobrada a outorga onerosa para vagas além do estabelecido.

 

Fachadas ativas

Os prédios que tiverem “fachada ativa”, ou seja, que oferecerem o térreo para estabelecimentos comerciais, receberão incentivos para construção. O objetivo é promover usos mais dinâmicos dos passeios públicos em interação com atividades instaladas nos térreos dos prédios, fortalecendo a vida urbana nos espaços públicos.

 

Redução do déficit habitacional

Com o novo Plano Diretor, o número de Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social), destinadas à produção de moradia para famílias de baixa renda, serão ampliadas em 117% em relação ao Plano vigente, reduzindo significativamente o déficit habitacional da cidade.

No Plano em vigor atualmente, 40% das Zeis são destinadas a famílias de 6 salários mínimos e outros 40% a famílias de até 16 salários mínimos.

Com o novo Plano, famílias que mais necessitam terão maior possibilidade de acesso à moradia. As Zeis foram reformuladas, de modo que 60% delas serão destinadas à população de até 3 salários mínimos, garantindo, assim, que um número maior de moradias sejam destinadas à população mais pobre da cidade.

 

Zeis na periferia e no centro

Com o novo Plano Diretor, Zeis serão demarcadas em áreas com assentamentos precários e informais, como favelas localizadas nas periferias, que precisam ser urbanizadas e regularizadas do ponto de vista fundiário.

Assim, essas áreas irão garantir moradia com qualidade para aqueles que vivem nessas regiões, que poderão ter um endereço, documento, receber infraestrutura e ser, enfim, parte da cidade.

Novas Zeis também foram demarcadas em áreas centrais, como nos bairros da Santa Efigênia, Pari, Brás, Campus Elíseos, e Bela Vista, e também, em bairros como o Jabaquara, na zona sul, regiões bem localizadas da cidade, que ficarão reservadas para a população de até 3 salários mínimos.

A outorga onerosa, contrapartida na qual o proprietário paga para construir entre o gratuito e o máximo permitido pela lei, será mais cara no centro, desestimulando a construção de imóveis comerciais, enquanto os residenciais serão barateados, principalmente para famílias com renda de 6 a 10 salários.

 

Recursos para habitação e mobilidade

Ao menos 30% dos recursos do Fundurb (Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano), que possui repasses da outorga onerosa, contrapartida no qual os empreendimentos pagam para construir entre o gratuito e o máximo permitido pela lei, será destinado ao sistema de mobilidade (transporte coletivo, cicloviário e de pedestres), enquanto ao menos 30% serão destinados à aquisição de errenos bem localizados para a construção de moradia popular.

 

Zeis e proteção ambiental

Algumas dessas áreas demarcadas como Zeis se localizam em área de proteção aos mananciais, protegida por legislação estadual. Lá existem áreas indevidamente ocupadas, que precisam ser reordenadas, para isso é preciso grafar Zeis: tanto para reurbanizar e regularizar o que for possível, tanto quanto para reassentar as famílias que estão precariamente assentadas nas áreas onde isso não é permitido. Apesar de definir restrições ao uso e ocupação do solo, a legislação estadual não proíbe a construção de moradias nem a regularização fundiária e urbanização de assentamentos precários, mas estabelece locais e parâmetros para isso. As Zeis grafadas em área de proteção aos mananciais seguem estritamente a legislação estadual.

 

Preservação ambiental

Para preservar o que resta de áreas verdes serão ampliadas as Zepams (Zonas Especiais de Proteção Ambiental). Nas novas Zepams há projetos para construção de 164 novos parques públicos, que se somarão aos 105 existentes. Serão 82 km² de áreas verdes, quase o dobro dos 42 km² de área dos parques atuais na cidade. A proposta é criar editais semestrais para que sejam remuneradas as empresas que preservarem, por exemplo, áreas remanescentes de mata atlântica, por meio do pagamento por serviços ambientais.

 

Fundo para novos parques

O Plano Diretor propõe a criação do Fundo Municipal dos Parques, destinado exclusivamente à aquisição de áreas e viabilizar a implantação de parques na cidade. O objetivo é captar recursos tanto da prefeitura quanto do setor privado e de cidadãos, numa espécie de financiamento coletivo. O fundo terá contas específicas para cada parque e para cada real doado a prefeitura destinará o mesmo valor, que sairá do Fema, Fundo Municipal do Meio Ambiente.

 

Cota de solidariedade

Outro instrumento de planejamento urbano e habitacional para estimular produção de habitação para baixa renda no município é a Cota de Solidariedade. Já utilizada em grandes metrópoles como Nova York, a cota cria mecanismos de contrapartida na construção de empreendimentos de grande porte. A proposta é que imóveis acima de 20.000 m², destinem 10% do próprio imóvel ou de uma área na mesma região para a implantação de moradias de interesse social, visando cumprir a função social da propriedade e da cidade.

 

Evitar imóveis ociosos

Imóveis desocupados próximos às zonas destinadas a moradias populares e nos eixos de mobilidade, como nas Marginais e nos corredores de trem, ônibus e metrô, terão IPTU mais caro. Isso é para forçar que um terreno não fique ocioso ou subutilizado e que o proprietário o utilize apenas para especulação imobiliária. Com isso, queremos baixar o preço dos terrenos, aumentar a produção habitacional e estimular mais a economia da cidade.

 

Território cultural

Será criado um território cultural que liga o centro, à Avenida Paulista. A área demarcada como território cultural concentra um grande número de espaços culturais que podem ser enquadrados com ZEPEC APC (zonas especiais de preservação cultural), cujo objetivo é resguardar locais com importância para a cultura da cidade, evitando seu fechamento, como aconteceu com o Cine Belas Artes, na Rua da Consolação, que será reaberto em maio. Saiba mais

 

Discussão de outras leis de planejamento urbano

O Plano Diretor vai orientar a elaboração de outras leis voltadas ao planejamento urbano municipal, como a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, os Planos Regionais, o código de Obras e Edificações e Leis Urbanísticas Específicas, por isso sua rápida aprovação é tão importante. Saiba mais

 

Tramitação do projeto

O projeto de lei do Plano Diretor foi enviado pelo prefeito Fernando Haddad à Câmara Municipal em 26 de setembro de 2013. A proposta foi, então, submetida a debate e, após 45 audiências públicas, entre temáticas e regionais, o vereador Nabil Bonduki e sua equipe técnica analisaram o projeto do Executivo e elaboraram um substitutivo, acrescentando novas temáticas e aperfeiçoando outras.

O texto final da proposta de substitutivo do Plano Diretor foi apresentado à Câmara pelo vereador Nabil Bonduki, em 26 de março, e submetido a sete novas audiências públicas temáticas e regionais.

Em 23 de abril, a proposta foi aprovada pelos sete vereadores da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, da Câmara Municipal, foi aprovada em primeira em 30 de abril, e seguiu para novas audiências e segunda votação.

Foto: Reprodução/Brasil de Fato.

Fonte: Brasil de Fato

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