Santa Catarina (e adjacências): O Estado sem cidadão

Por Raul Longo.

O velho dilema Estado x Cidadão há muito foi resolvido por regimes totalitários. No período da Ditadura Militar, por exemplo, quem se metesse a revindicar direitos mínimos de cidadania tomava porrada para se ajustar ao Estado e, dependendo da gravidade da revindicação ou em casos de reincidência, ia pra tortura e poderia ser suicidado ou desaparecido.

Na época isso ocorreu em todos os estados da Federação. Hoje só é comum nos governados pelos remanescentes daqueles ideais de Estado sem Cidadãos para incomodar, conforme pôde verificar um meu vizinho de origem alemã, mas há uma década naturalizado cidadão brasileiro.

Traumatizado pelo totalitarismo do regime soviético imposto à boa parte de seu país após a Segunda Guerra, compreensivelmente o vizinho se indispõe àquela mal fadada experiência, confundindo-a  com o comunismo proposto por seu patrício Karl Marx. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas é como antipatizante ao comunismo que se estabeleceu na capital de Santa Catarina, não havendo portanto porque imputar seu relato como má vontade às elites econômicas brasileiras, de quais estados venham ou estejam.

Técnico em saneamento montou empresa especializada em implantação de inovações no setor. Tanto adapta as desenvolvidas em sua terra natal como também lá tornou reconhecidas as desenvolvidas por sua equipe brasileira. Sua empresa atende diversos estados do Brasil e populações de outros países da América Latina, mantendo cerca de 50 famílias de seus empregados catarinenses e pagando todos os impostos devidos ao Estado.

Mas neste final de semana, sem embarcar em nenhum avião ou transatlântico, o vizinho fez uma longa viagem de retorno à sua terra natal. E foi viagem a um tempo ainda anterior ao da Alemanha Oriental que talvez nunca tenha conhecido enquanto a cidade onde nasceu era dividida por um muro.

Retornou aos tempos em que o Estado Nazista tratava os cidadãos de seu país com a mesma truculência com que foi recepcionado às portas do muro que limita um luxuoso condomínio deste bairro do Sambaqui, em Florianópolis.

O condomínio foi construído para alguns integrantes da elite da sociedade paranaense há coisa de 5 anos atrás, numa área de preservação permanente que se inclui ao complexo ecossistêmico de reserva ambiental administrada pelo IBAMA, órgão da República Federativa do Brasil.

O Ministério Público bem embargou a obra por alguns meses e, então, se comentava incluir as investigações da Operação Moeda Verde da Polícia Federal que em 2007 levou a perda de mandato de vereadores e secretários de estado e municipais. Verdade ou boato o fato é que se mantiveram os empreendimentos que motivaram àquelas investigações e o condomínio lá está com sua grande piscina à beira do mar e delimitações na praia por boias que sinalizam a entrada e saída dos Jet Ski, ou “Vespas D’Água” no vocabulário dos pescadores que tiveram seus ranchos derrubados para não atrapalhar o lazer da elite do Estado do Paraná que preteriu a Ilha do Mel por preferência à Praia do Toló.

O saudoso Seu Toló foi meu amigo e a praia herdou seu nome por ter sido o primeiro pescador a levantar um rancho naquela praia deserta até 5 anos atrás. Entra governo e sai governo, mas de lá pra cá Santa Catarina cada vez mais se reafirma como um Estado sem Cidadão, confirmado pelo vizinho alemão neste último domingo durante a realização do matrimônio dos filhos de duas famílias proprietárias de unidades daquele condomínio da elite paraense.

Uma chiqueria! Teve até helicóptero sobrevoando a Igreja da Nossa Senhora das Necessidades no vizinho bairro de Santo Antônio de Lisboa, despejando kgs e kgs de rosas brancas que o vento levou para Iemanjá, a noiva de todos os pescadores.

Além da involuntária homenagem à orixá, esta via única que por cerca de 6 kms se estende desde à Igreja até o mangue do Rio Ratones onde se instala a tal reserva federal, foi ocupada por luxuosos automóveis importados. Entre eles o de Beto Richa, o governador do Estado do Paraná pelo PSDB. Claro que devidamente escoltado.

Tudo, absolutamente tudo, dos móveis aos canapés, foi trazido de lá. E durante a semana nosso pequeno bairro recebeu uma legião de trabalhadores paranaenses, merecedores da confiança dos familiares dos nubentes para o preparo da grande festa à qual também se contratou um exército de leões de chácara para garantir a segurança dos convidados. Motivo pelo qual exigiram a identificação de moradores obrigados a passar à frente do condomínio para seguir pelos 2 kms adiante em busca de suas residências naquela via única e até então confundida como pública.

Mas o ponto alto da solenidade matrimonial se deu no início da noite através de uma música estentórica que incomodou o pretenso cidadão brasileiro de origem alemã.

Lá pelo início da madrugada ele estacionou seu carro à frente dos portentosos portais do condomínio e com o jeitão contemporizador e civilizado que o tem distinguido entre a vizinhança, explicou que precisava dormir para trabalhar no dia seguinte, solicitando que se diminuísse o volume do som.

Os seguranças que o recepcionaram informaram que os promotores da festa tinham autorização oficial para a realização do evento no volume que bem entendessem até as horas que quisessem. O cidadão conhece a existência de leis municipais, estaduais e federais que coíbem a perturbação da ordem e tranquilidade pública. E conhece através dos avisos pregados na mesma praia onde se inscrevem as penalidades previstas contra sons automotivos que em quaisquer das 24 horas do dia incomodem aqueles condôminos,

De nada adiantou os números das leis ali divulgados, a 10 metros da frente do condomínio. Os seguranças apenas ordenaram que o cidadão retirasse o carro do portal.

Equivocado, o alemão/catarinense pediu para primeiro ver o documento que oficializaria o direito da transgressão da lei. Os seguranças insistiram, a teimosia germânica e cidadã também insistiu garantindo que só sairia depois de conferir a autorização. Demorou pouco o impasse debelado pelo argumento de um “armário” daqueles ao torcer o braço do empresário para trás de suas costas. O enfiou adentro do próprio carro e aconselhou que saísse dali para não piorar as coisas.

O alemão é jovem, não viveu os tempos do totalitarismo nazista, mas sem dúvida herdou pela memória ancestral o terror à Gestapo que o aconselhou a voltar para casa de onde ligou para a Polícia Militar para denunciar a agressão sofrida e solicitar o apoio dos serviços públicos mantidos pelos impostos pagos por sua empresa e seus empregados. Mas de lá ordenaram que no dia seguinte prestasse queixa à Polícia Civil. Explicou que precisava dormir naquela noite. Por fim, antes de insistir por sua cidadania foi convencido pela própria memória evocando ancestrais lembranças da SS.

Conclusão: o cidadão e todos os vizinhos ficaram sem dormir até o final da festa, lá pelas 6 horas da manhã.

E hoje, exatamente agora, os noticiários informam a suspensão de duas das maiores importantes festas desta capital de Santa Catarina: a FENAOSTRA, que promove nacional e internacionalmente uma das mais importantes fontes de recursos econômicos para o estado: a ostreicultura. E o Carnaval, que promove o turismo.

Alguém que não faço questão de lembrar quem tenha sido nem posso imaginar em que se baseou para me julgar um bêbado por ter revelado a anulação de meu voto no segundo turno da última eleição à prefeitura desta capital; neste ano já não poderá incorrer nas mesmas ilações para acusar a nenhum Cidadão dessa cidade durante as comemorações destas festas, pois não poderão acontecer porque o dinheiro público que as financiaria foi gasto na campanha política derrotada para sucessão do atual prefeito.

Por outro lado, para o grupo do candidato vitorioso e apoiado por ecolóides do PSOL que se revindicam “bem atentos”, isso de cidadania também é mito, conforme comprovado pelas razões que provocaram a Operação Moeda Verde, durante o governo do hoje Senador Luís Henrique da Silveira que, ainda como governador, foi o primeiro a reivindicar a redução de áreas de matas ciliares estabelecidas pelo código florestal.

Na época Luís Henrique era aliado ao atual prefeito Dário Berger, a quem trouxe do PSDB para o PMDB, na última eleição derrotado pelo PSD que foi DEM ainda há pouco, mas antes era o PFL das origens políticas de Berger que, como Amin, do PP, oscila entre tempos de aliança e de oposição a Bornhausen.

Ambos os candidatos ao segundo turno desta última campanha, vencedor e vencido, já integraram governos e administrações sob o controle do mesmo grupo que através de casamentos e divórcios de letras de siglas partidárias, em Santa Catarina há décadas ajusta Cidadãos ao Estado para solucionar dilemas sócio/políticos, conforme relatado e analisado por Fernando Evangelista na matéria que recomendaria ao vizinho alemão para que possa entender como retornou pelo túnel do tempo a quando o país onde nasceu negava a cidadania de seus pais e avós:

Leia  Florianópolis: Sob ataque e sem controle de Fernando Evangelista.


1 COMENTÁRIO

  1. Infelizmente, a população de Santa Catarina além de votar muito mal, não se mobiliza para nada. O desenvolvimento deste estado é resultado da inércia, porque os governos e a política que aí estão são semelhantes aos piores currais eleitorais deste país.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.