Uma coisa da qual Cristo tinha e tem grande ojeriza é a hipocrisia. Infelizmente, todos nós, seres humanos, uns menos outros mais, adquirimos esse atributo. Aprendemos a mentir, a fingir e a enganar. Isenção absoluta não há. Mas o pior é enganar a si mesmo. Pensar de um jeito e agir de outro. Ter conhecimento do correto, mas agir falsamente. Não é por menos que muita gente, e os políticos principalmente, fazem de tudo para aparecerem honestos e bonzinhos, enquanto agem como sagazes pilantras. Esperteza! É a velha arte de levar vantagem em tudo: na política, no trabalho, no comércio, na escola e até nas religiões. Maquiavel explorou bem a utilidade desse comportamento humano para os príncipes e governantes dominarem com eficiência os seus súditos. A mentira camuflada.
Com esse pano de fundo faço uma pequena reflexão sobre a celebração do Dia Mundial do Meio Ambiente. Ele foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) numa conferência realizada em 1972, em Estocolmo, com o objetivo de conscientizar todos os indivíduos e todos os povos sobre a necessidade de proteção do Planeta. Passados 41 anos, cabe perguntar: quais as melhorias alcançadas para o meio ambiente? Absolutamente zero ou bem pior. Nesse período, os seres humanos destruíram a Terra mais do que em toda a sua história.
Não é bazófia nem terrorismo. São dados confirmados pelos cientistas. Isso quer dizer que o discurso de proteção do meio ambiente é uma coisa, mas a prática é outra. Até podemos estar conscientes sobre as ameaças que se avolumam, mas não estamos nem um pouco dispostos a mudar nosso modo de viver. É aí que mora a miséria do ser humano. Melhor fechar os olhos e os ouvidos para essas coisas de aquecimento global, de esgotamento dos recursos naturais, de extinção das espécies (90% dos grandes peixes já desapareceram dos oceanos) ou da crescente escassez de água no mundo. A melhor opção é aproveitarmos do que ainda sobra enquanto existir, mesmo que seja apenas por mais uns míseros vinte anos. Outra saída para os mais temerosos é a de bancar o avestruz.
Essa hipocrisia pode ser evidenciada por inúmeros exemplos. Vou mencionar apenas um. Todos sabem que a questão do saneamento é uma prioridade apontada, desde há muito tempo, pelos programas governamentais, pelos legisladores e pelos diversos órgãos ligados ao meio ambiente e à saúde.
Estudos revelam que a cada um real gasto em saneamento, são economizados quatro reais em serviços de saúde. Infelizmente, na prática, a prioridade é outra. O orçamento da União para 2013 prevê uma receita de R$ 2,276 trilhões. O PAC investiu mais de R$ 550 bilhões nos dois últimos anos, principalmente em transportes, energia e habitação. O orçamento federal destina bilhões e bilhões de reais para o colossal custeio da máquina burocrática dos três Poderes e para os mega projetos como os da Usina Belo Monte (trinta bilhões), Ferrovia Rio/São Paulo (15 bilhões); Transposição do Rio São Francisco (10 bilhões). Isso apenas para citar algumas das muitas obras, muitas vezes superfaturadas. O saneamento permanece esquecido. Um exemplo bem gritante dessa hipocrisia (falsa prioridade) está estampado no financiamento da Copa do Mundo.
São desconhecidos os gastos precisos que serão realizados com as obras da Copa 2014, pois muitas delas foram dispensadas de licitações em virtude da urgência para se atender às exigências da FIFA. Conforme previsões do Governo e empreiteiras, em março de 2012, os valores giravam em torno de R$ 26,5 bilhões. Segundo um estudo da Consultoria Legislativa do Senado Federal, os custos poderiam alcançar R$ 70 bilhões. Mas para a Associação Brasileira de Infraestrutura e Estrutura de Base (ABDIB) os gastos totais devem atingir R$ 117,8 bilhões.
Números assustadores, ou melhor, uma aberração e uma vergonha. Já se divulgou pela mídia e redes sociais que o custo da Copa do Mundo no Brasil poderá ser maior do que a soma do total investido nas últimas três edições mundiais (Japão/Coreia, Alemanha e África do Sul). Nem mesmo em um País do primeiro mundo se justificaria tamanho gasto diante da pobreza de milhões de pessoas pelo mundo afora. No Brasil, são 700 mil abaixo da linha da pobreza absoluta.
Mas o que desejo mostrar é a incoerência ou a hipocrisia que isso representa em relação à decantada prioridade do saneamento. O Brasil continua exibindo índices inadmissíveis de tratamento esgoto. Estima-se que apenas a metade dos brasileiros dispõe de esgoto coletado e menos de 40% da população tem acesso ao esgoto tratado. São na maioria residentes nas 100 maiores cidades que possuem tratamento. Nelas vivem 77 milhões de habitantes, ou seja, 40% da população brasileira. É bom lembrar que o País tem mais de 5.500 municípios, sendo desconhecida a situação de tratamento do esgoto em mais de dois mil deles. Pode-se dizer que a maioria das cidades do interior se encontra numa situação quase medieval em relação ao esgoto.
Pois bem, se o custo médio de uma Estação de Tratamento de Esgoto para uma cidade de vinte mil habitantes é de R$ 5 milhões, segundo informações obtidas junto à Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, com R$ 10 bilhões (menos de um terço da estimativa oficial dos gastos na Copa) daria para equipar dois mil municípios com um sistema de tratamento. Essa situação mostra também a farsa do federalismo brasileiro que concentra a arrecadação e transfere as responsabilidades para os municípios cujos prefeitos podem ser punidos se não cumprirem os prazos impostos pela legislação.
Também é desolador saber que o brasileiro dá pouca importância para o saneamento. Pesquisa feita pelo Instituto Trata Brasil/Ibope, 2012 revela que75% das pessoas nada reclamam e se acostumaram a viver com o lixo a céu aberto ou com o esgoto despejados nos ribeirões.
Fecho esse comentário dizendo que se os cristãos (e também os não cristãos) seguissem os passos de São Francisco, haveria menos hipocrisia ambiental e maiores seriam os sentimentos de reverência para com a natureza, hoje por toda parte ameaçada.
Geraldo M Martins é Educador, sociólogo e administrador. Coordenador Diocesano da Pastoral da Ecologia. [email protected]
Fonte: Ecodebate