Por Marcelo Pellegrini. Uma semana antes da aprovação do Projeto de Lei 4330/04, que autoriza as terceirizações em toda a cadeia produtiva de uma empresa, a ala conservadora da Câmara já dava sinais de que o aprofundamento da precarização dos direitos trabalhistas se concretizaria. Sem estardalhaço, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Casa aprovou, em 15 de abril, uma alteração no Código Penal que dificulta a caracterização do trabalho escravo e a fiscalização deste tipo de crime.
A alteração vinha sendo articulada com força desde julho de 2014, após a aprovação da chamada PEC do Trabalho Escravo. O texto, uma dívida histórica do Congresso, destina propriedades onde for encontrado trabalho escravo à reforma agrária ou a programas habitacionais, sem pagar indenização, o que incomodou a bancada ruralista e aliados. Sem ter como mudar a PEC, esses setores colocaram um mecanismo na PEC, como mostrou CartaCapital no ano passado, determinando que uma nova definição de trabalho escravo seria necessária.
Com a mudança, ficam excluídos da definição de trabalho escravo os termos “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho”. A argumentação da bancada ruralista é que a atual redação do Código Penal, por não definir o que é “jornada exaustiva” e “condição degradante de trabalho”, permita interpretações que levem à desapropriação de imóveis rurais.
O texto foi relatado na Comissão de Agricultura da Câmara por Luís Carlos Heinze (PP-RS), ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e conhecido por declarações racistas contra minorias e por ter votado contra a PEC do Trabalho Escravo. Deputado federal mais votado no Rio Grande do Sul, Heinze também é um dos parlamentares citadosnas investigações da Operação Lava Jato. Seu relatório é baseado em projeto do ex-deputado Moreira Mendes (PSD-RR), que não se reelegeu em 2014 e, assim como Heinze, tem problemas com a Justiça: em 2011, Mendes foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) por um escândalo de compra fictícia de 1,7 mil passagens aéreas pagas pela Assembleia Legislativa a empresa Tamatur, nos anos de 1993 e 1994.
Os possíveis efeitos negativos conjuntos do abrandamento da definição de trabalho escravo e da terceirização são conhecidos pelo poder público. Em 2014, um estudo da Unicamp revelou que, dos 40 maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão nos últimos quatro anos, 36 envolviam empresas terceirizadas. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) confirmam este quadro. Entre 2010 e 2014, cerca de 90% dos trabalhadores resgatados nos dez maiores flagrantes de trabalho escravo contemporâneo eram terceirizados, indica o MTE. Além disso, os terceirizados têm salários 27% menores em média que os contratados diretos e uma jornada semanal 7% maior, segundo levantamento da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Dieese.
Entidades contrárias à mudança na definição de trabalho escravo temem a modificação. Para elas, a versão mais branda da lei pode dificultar a caracterização de crime ao qual são submetidos alguns trabalhadores terceirizados que, na verdade, estão em condição análoga à escravidão. Isso porque, com a mudança, a definição legal de trabalho escravo ficaria restrita apenas a casos em que o trabalhador não consegue sair do emprego ou é forçado a trabalhar contra sua vontade. “Quando a gente investiga práticas de terceirização, notamos o elevado número de acidentes e a quantidade de trabalhadores que precisam de resgate por estarem em condições de quase escravidão. Trabalhadores com jornada maior do que a média e salários bem menores”, afirmou o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), João Batista Machado Junior, em entrevista à CartaCapital.
O projeto que muda a definição de trabalho escravo, de número 3842/12, ainda será analisado pelas comissões de Trabalho, Administração e Serviço Público e de Constituição e Justiça. Em seguida, será votado no Plenário da Câmara.
Foto: Reprodução/Carta Capital
Fonte: Carta Capital