Salvação

Por Priscila Lopes.

Primeiro eu quis ficar pequena. Eu desejei de mim uma pequenez tão miúda que ficasse cada vez menor até desaparecer sua essência; vista de cima, a imagem fetal encolhida sobre lençóis brancos, espiralando. Depois comecei a pensar demais em mim, e a me compreender, me tolerar, entender que sou mesmo assim, mas que ainda tenho salvação. Comecei a fazer desenhos mentais do que eu pretendo, e de como vai ser bom daqui pra frente agora. Daí surgiu em mim – assim como se surgisse uma gotinha de infiltração numa rachadura na parede – surgiu em mim uma sensação de que tudo é tolerável, uma clareza que me fez, por instantes, amar a vida com tanta precisão, sabe! Eu vi isso indefinido desabrochar em mim, e crescer, crescer, crescer – sem forma sem nome – ficando enorme, até abraçar um monte de gente, e eu perceber – tudo muito rápido, preciso que entenda; não dura, não dura para sempre – eu percebi que a gente se ama; a gente, o Mundo; a gente tá aqui pra isso, pra ser isso, e cada um já se sabe que vai dizer essas coisas, e vai ter que ouvir essas coisas, e fazer ou não fazer coisas, mas se a gente compreende – como eu fiz e quase enxerguei alguma coisa perto de Deus – ganha uma liberdade escancarada para se sentir como quiser. A gente se salva.

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