Por José Álvaro de Lima Cardoso.*
O Fundo Monetário Internacional (FMI) voltou a fazer recomendações ao governo, clara indicação de que o Brasil regrediu nos últimos tempos. No dia 29 de setembro o órgão divulgou relatório com análise da economia brasileira, em que, em meio a uma série de outras barbaridades, ataca diretamente a política vigente de correção automática do salário mínimo: “A fórmula para as revisões do salário mínimo afeta o crescimento de pensões e outros benefícios e é, portanto, uma grande fonte de pressão fiscal no médio prazo. O vínculo entre benefícios sociais e o salário mínimo merece revisão, enquanto a fórmula do salário mínimo deveria ser revisada para melhor refletir as melhoras em produtividade”.
A política atual de correção do salário mínimo prevê a aplicação do índice inflacionário do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos anteriores. No início do segundo Governo Lula, após ampla negociação entre as centrais e representantes do empresariado, esta fórmula foi aprovada no Congresso Nacional, tendo atualmente vigência prevista até 2019. O DIEESE tem longa trajetória de reflexão e defesa do salário mínimo enquanto instrumento de distribuição de renda e de justiça social no Brasil. As centrais sindicais, assessoradas pelo Departamento, entenderam, ao longo de sua luta pela valorização do salário mínimo, que ele exerce um papel central na garantia de condições mínimas de vida e dignidade aos trabalhadores da nação. Recentemente, inclusive, o DIEESE disponibilizou um livro sobre o tema (Salário Mínimo no Brasil: a luta pela valorização do trabalho), que, dentre outras contribuições, deixa evidente o papel do salário mínimo no combate à pobreza no Brasil. Especialmente nos últimos 12 anos, quando aumentou 76% acima da inflação do período, melhorando a renda dos trabalhadores que estão na base da pirâmide salarial.
A ingerência do FMI nas políticas nacionais seria indesejável em qualquer conjuntura. A história da instituição é a da defesa dos seus principais sócios, os países ricos. O Brasil sabe muito bem o que isso significa, pois, em decorrência das crises financeiras, foi refém várias vezes das políticas do FMI, especialmente nas décadas de 1980 e 1990, quando seguidamente teve que obedecer às suas recomendações de política econômica. É uma regressão inaceitável a instituição voltar a se intrometer nas políticas nacionais, especialmente quando ataca o principal e mais eficiente instrumento de combate à pobreza existente no Brasil nos últimos anos.
O Brasil saiu do mapa da fome da ONU em 2014, por exemplo (conquista histórica de encher de orgulho os brasileiros), em função, também, dos ganhos reais do salário mínimo. A elevação da segurança alimentar da população é efeito da combinação de políticas macroeconômicas, sociais e agrícolas, como geração de empregos, aumentos reais do salário mínimo e políticas de expansão do crédito. Dentre outras razões, porque o salário mínimo acaba sendo uma espécie de farol, uma referência, para o mercado informal, onde localizam-se os trabalhadores mais explorados. Ao melhorar a renda dos trabalhadores que se encontram na base da pirâmide salarial, a política de valorização do SM ajudou a reduzir significativamente a pobreza e ampliou o mercado consumidor interno, pressuposto fundamental do desenvolvimento.
As críticas do FMI não são obra do acaso, mas fazem parte do processo de desmonte das políticas públicas e sociais que o governo vem promovendo. Não é difícil prever que as recomendações de liquidar a política atual de correção do SM, serão “acatadas”. O fim da política de valorização do SM está no script do golpe, até as pedras já sabiam que seria realizada de qualquer forma. Mas a manifestação do Fundo serve para dar “legitimidade técnica” a mais essa medida de ataque aos avanços que os trabalhadores obtiveram nos últimos anos.
O FMI, ao atacar a política de valorização do salário mínimo, está falando em nome do Dinheiro (a chamada Plutocracia), que é o poder Real, entre as forças golpistas. Para este bloco de interesses no golpe ter a presidência da República não é tão importante. O fundamental é controlar a Fazenda e o Banco Central. Entre os seus principais objetivos está a liquidação das conquistas previstas na Constituição de 1988 e da própria CLT. Daí também o apoio na nota do FMI às maluquices previstas na PEC 241 que, no fundo, pretendem atingir a própria condição do Brasil de país soberano.
*Economista.