Sair de tratado da OIT ameaça povos indígenas do Brasil de extermínio

Deputado ruralista apresenta projeto, já em tramitação, que tira país da Convenção 169 da OIT, único tratado internacional que protege as populações tradicionais

A demarcação de terras indígenas está na mira de ruralistas que comandam o Ministério da Agricultura Foto: AFP.

Os povos indígenas e outros tradicionais brasileiros estarão ainda mais em risco de extermínio caso seja aprovado o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 177/2021, de autoria do deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), integrante da bancada ruralista e aliado do presidente Jair Bolsonaro. A proposta prevê que o Brasil deixe de ser signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Único tratado internacional que aborda direitos de povos tradicionais, indígenas e quilombolas, a convenção dispõe sobre a efetivação e proteção de direitos sociais, territoriais, à saúde, educação, seguridade social e condições de emprego. E assim garante acesso a políticas públicas para o pleno exercício de seus direitos de cidadãos, reconhecido e respeitado seu caráter de povos diferenciados.

A convenção prevê o autorreconhecimento como critério fundamental para identificação desses povos. E prevê o direito de escolher suas próprias prioridades quanto ao processo de desenvolvimento. Ou seja, é um instrumento fundamental na garantia de direitos frente a grandes empreendimentos e ao Estado. Isso porque determina que os povos sejam consultados sobre todas as medidas legislativas ou administrativas que os afetem, mediante procedimentos apropriados e através de suas instituições representativas.

Povos indígenas

O tratado reconhece também a diversidade sociocultural que compõe o Brasil, impondo ao Estado o dever de reconhecer e respeitar os sistemas tradicionais de organização social, seus valores, práticas e instituições. Criado em 5 de outubro de 1989, o tratado rompeu com o paradigma estabelecido na Convenção 107 da OIT, de 1957, trazendo o respeito à diferença e à diversidade como orientador das ações do Estado.

Para Alceu Moreira, os povos indígenas, quilombolas e outros tradicionais “atrapalham”. Na justificativa de seu projeto, destaca que 12,90% do território brasileiro é de terras indígenas, o que traria dificuldades de acesso do Estado para garantia do desenvolvimento nacional “em razão dos diversos empecilhos elencados pela Convenção 169 da OIT”.

O parlamentar afirma ainda que o Brasil deve investir em infraestrutura para atrair investimentos, principalmente para a região norte. A principal dificuldade para integrar o estado ao sistema elétrico nacional, segundo ele, é a dificuldade de acesso às terras do ente da federação para implementação das obras necessárias em razão da quantidade de terras indígenas na região, “que impedem a chegada de agentes públicos e agentes particulares com competência e capacidade de instalar a infraestrutura necessária”.

De acordo com advogados da organização Terra de Direitos, as populações tradicionais, indígenas e quilombolas se apoiam na Convenção como garantia de seus direitos e de importante instrumento de luta em defesa de seus direitos e interesses. Além da própria sobrevivência.

Indigenas e quilombolas

“A autodeterminação dos povos, que se realiza por meio do direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural”, disse à RBA a assessora jurídica da Terra de Direitos, Maira Moreira.

Contudo, o eventual êxito do projeto de Alceu Moreira, culminando com a saída do Brasil do tratado, não é algo simples. Em entrevista ao site InfoAmazônia, o especialista em Genocídios e Direitos Humanos, Flávio de Leão Bastos Pereira apontou “fortes obstáculos jurídico-constitucionais”. Isso porque um projeto como o de Alceu não poderia revogar uma norma supralegal, como a Convenção.

Autor de Compliance em Direitos Humanos, Diversidade e Ambiental e Genocídio Indígena no Brasil”, Flávio disse que, caso a assinatura à Convenção seja revogada, haverá uma longa batalha com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Comissão Interamericana de Direitos Sociais. “Acima de tudo isso, precisamos atentar que, cada vez mais, o país deixará de vender produtos e de participar da comunidade internacional se persistir com ataques a indígenas e outros povos”, disse.

Até agora, 23 países ratificam a Convenção, dos quais 15 latino-americanos. Ela não chegou a ser assinada em países com grandes populações originárias, como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Entretanto, o governo neozelandês reconheceu a personalidade jurídica do rio Whanganui, sagrado para o povo Maori, protegendo-o de danos que possam ser causados por indústrias.

Alceu Moreira

De acordo com o relatório O Congresso Anti-Indígena – Os parlamentares que mais atuaram contra os Direitos Indígenas, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Alceu foi um dos 50 deputados mais “atuantes”.

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