Saara Ocidental: luta anticolonial invisível. Por Sayid Marcos Tenório.

Por Sayid Marcos Tenório.

Entre as lutas de libertação, a causa mais invisível aos olhos de ativistas, jornalistas e pesquisadores em todo mundo é sem dúvidas a do Saara Ocidental, um território localizado no Noroeste da costa do continente africano, ocupado e submetido a uma ditadura colonial por parte do Reino do Marrocos. No entanto, os ventos estão mudando.

Nos dias 10 e 11 de dezembro, dezenas de ativistas de várias regiões do mundo se reuniram em Las Palmas de Gran Canaria para a 45ª Conferência Europeia de Apoio e Solidariedade com o Povo Saaraui (EUCOCO), na qual debateram os rumos da solidariedade e do apoio ao povo saaraui e a situação atual do conflito, que atravessa um momento de especial gravidade devido à retomada da guerra que já afeta a região.

Mesmo acontecendo de forma particular em decorrência do cenário internacional marcado pela covid-19, que impôs várias limitações, a Conferência foi um êxito, contando com a participação de 210 pessoas, representando governos, instituições parlamentares, associações e comissões de apoio ao povo saaraui, e a presença de uma importante delegação saaraui, presidida pelo Sr. Bouchraya Bayoune, primeiro-ministro da República Árabe Saaraui Democrática (RASD).

Esse evento vem se realizando continuamente desde 1975, ano do início do conflito entre o Saara Ocidental e o Marrocos. Transformou-se, sem dúvida, no encontro anual mais importante do movimento de solidariedade com o povo saaraui, além de, neste ano, ocorrer num momento decisivo para o conflito, em que é fundamental mostrar solidariedade para com a causa, permitindo uma conjunção dos que defendem o direito à autodeterminação da última colônia da África.

A República Árabe Saaraui Democrática é o antigo Saara Espanhol, também conhecida como Saara Ocidental. Representa o último povo a não exercer sua autodeterminação no continente africano, apesar de essa reivindicação constar, desde 1963, na agenda da União Africana e, desde 1965, na pauta da Organização das Nações Unidas (ONU), que passou a debater os rumos daquele território considerado como pendente de descolonização.

Antes de abandonar o Saara, a Espanha facilitou a invasão da região, ao Sul pela Mauritânia e ao Norte pelo Marrocos, quando o Rei Hassan II organizou um movimento de ocupação conhecido como “Marcha Verde”, com o nítido objetivo de anexar o território ao seu e forçar a Espanha a entregar formalmente o Saara ao Marrocos.

Desde o primeiro momento da ocupação, o povo saaraui, sob a liderança da Frente Polisário, empreendeu forte resistência armada e proclamou a RASD em 27 de fevereiro de 1975, em meio a uma guerra que durou 16 anos. Em 6 de setembro de 1991, sob a chancela do Conselho de Segurança da ONU, foi aprovado um Plano de Solução cuja principal questão a ser implementada era a realização de um referendo para permitir ao povo do Saara Ocidental o exercício do seu direito à autodeterminação.

O acordo de cessar-fogo incluía a retirada das forças marroquinas dos territórios ocupados e a identificação dos eleitores para o referendo que deveria ter ocorrido em fevereiro de 1992, mas até hoje não foi implementado por pressão do Marrocos e seus aliados colonialistas da França e Espanha, apesar de o Conselho de Segurança da ONU ter prerrogativas para forçar a sua realização, como fez no Timor Leste e na Namíbia.

A ONU criou a Missão das Nações Unidas para o Referendo do Saara Ocidental (MINURSO), mas sem autonomia para monitorar e reportar violações de direitos humanos, apesar das recomendações do seu Conselho de Segurança para estender essa prerrogativa àquela missão. Essa ausência tem deixado a população saaraui vulnerável e desprotegida diante da brutalidade marroquina. A ativista dos direitos humanos Sultana Jaya se encontra em prisão domiciliar há mais de um ano, submetida à constantes violações e tortura, que também atingem sua família.

Marrocos retirou parcialmente suas forças, permanecendo na maior parte do território, de uma pequena parcela da RASD, que está em poder do governo saaraui, chamada de territórios liberados. Como forma de manter o controle sobre a área e impedir ações para libertação do Saara, Marrocos ergueu, com ajuda de “Israel”, um muro com 2.700 km, dividindo o território ocupado de norte a sul, que é vigiado por mais de 150 mil soldados e por uma infinidade de minas terrestres.

Enquanto isso, uma população com mais de 200 mil saarauis vive em acampamentos de refugiados, sem infraestrutura adequada, em território cedido pela Argélia, enfrentando condições extremas do deserto e situação na qual a economia e a sobrevivência dos habitantes dependem da ajuda humanitária internacional.

O Marrocos pratica o roubo incessante e acelerado de recursos naturais, como o fosfato, o petróleo e a pesca, ao longo dos 1.062 km da costa onde se localiza uma das áreas mais ricas de pesca do planeta, embora o Tribunal de Justiça da União Europeia já tenha decidido que esse país não está autorizado a realizar acordos sobre a exploração e comercialização dos recursos naturais do Saara Ocidental sem consultar os habitantes e a Frente Polisário, legítima representante do povo saaraui.

Cansada de esperar e depois de perder qualquer tipo de confiança na ONU, além de lidar com a indiferença da comunidade internacional, esferas que juntas têm contribuído para aumentar o já longo sofrimento do povo, a Frente Polisário decidiu retornar à luta armada para assegurar seus legítimos direitos ao território, às riquezas naturais e à dignidade do seu povo. Em 13 de novembro de 2020, a Frente Polisário pôs fim ao cessar-fogo que durou 29 anos e que deveria abrir caminho para a organização de um referendo de autodeterminação sob os auspícios das Nações Unidas.

Recentemente, alguns episódios colaboram para o agravamento desse conflito, como o rompimento de relações diplomáticas entre a Argélia e o Marrocos; a normalização das relações entre a ditadura colonial marroquina e o regime de apartheid de “Israel”, com a interferência da entidade sionista no conflito; e as tensões criadas por Marrocos com a União Europeia e a União Africana, fatores esses que criam uma escala da instabilidade e uma séria ameaça à segurança e paz em toda região.

A nova situação do rompimento do cessar-fogo e do retorno às armas exige dos defensores dos direitos humanos e da soberania dos povos, mais do que nunca, que se inteirem sobre a luta de libertação nacional do povo saaraui e da Frente Polisário, prestando integral apoio.

A resolução final do EUCOCO alerta sobre a paz na África, que não será alcançada desrespeitando a legalidade internacional, eliminando um povo que bravamente luta pela sua libertação e dando prioridade ao direito da força sobre a lei. Nos termos dessa deliberação, “O tempo do colonialismo deve ser eliminado para sempre das relações entre as nações e a última colônia da África deve poder desfrutar de sua independência sem demora”.

 

Sayid Marcos Tenório é historiador e especialista em Relações Internacionais. É vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal) e autor do livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência (Anita Garibaldi/Ibraspal, 2019. 412 p). E-mail: [email protected] Twitter: @HajjSayid

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info

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