Por Serguei Monin, Brasil de Fato.
A guerra na Ucrânia completou 11 meses nesta semana em meio a rumores de que o presidente russo Vladimir Putin pode anunciar uma nova onda de mobilização para o confronto e intensificar os ataques contra a Ucrânia. Ao mesmo tempo, a Alemanha confirmou na última quarta-feira (25), que irá fornecer tanques Leopard-2 à Ucrânia, decisão que Berlim vinha relutando há meses para adotar. A embaixada russa em Berlim declarou que a iniciativa de transferir tanques para Kiev levará o conflito a um novo patamar de confronto.
No final de 2022, o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, propôs aumentar gradualmente a idade de recrutamento de 18 para 21 anos e o limite de 27 para 30 anos para o serviço militar. Além disso, entre suas propostas está aumentar o número de militares para 1,5 milhão de pessoas. Essas reformas militares foram acompanhadas de uma série de relatos de que uma nova convocação para a guerra seria anunciada pela Rússia.
Além disso, o Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia informou que uma nova mobilização russa poderia começar em meados de dezembro, depois houve relatos sobre o início de uma nova etapa de mobilização em meados de janeiro. Nesta semana, fontes de inteligência ocidentais, citadas por uma publicação da CNN, alegaram que Putin estaria considerando outra onda de mobilização de novos 200 mil soldados para a guerra. De acordo com as fontes citadas, a nova onda de mobilização “pode ??ser realizada de forma mais silenciosa do que a primeira”.
As autoridades russas repetidamente negaram a veracidade desses prognósticos. De acordo com o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, as informações da CNN “não são confiáveis”.
Especialistas, no entanto, vêm apontando que o atual cenário de uma guerra “por esgotamento” na Ucrânia indica que um processo de mobilização pode ser inevitável. Em entrevista ao Brasil de Fato, o doutor em Ciência Política pela Universidade Estatal de Moscou, Stanislav Byshok, afirmou que isso está relacionado à mudança de objetivos da Rússia em sua operação militar por conta da falta de êxito em sua estratégia inicial.
Ele aponta que a fase inicial da operação especial da Rússia contava com cerca de 200 mil pessoas, o que, para ocupar inteiramente a Ucrânia, é “claramente muito pouco, levando em conta as mais de 35 milhões de pessoas do país”.
“Então havia o objetivo claro de tomar Kiev, fazer rapidamente algumas decisões políticas e sair. Como não aconteceu o que foi planejado de início, agora o objetivo é outro, não é mais de mudar o regime, mas a consolidação em certos territórios que formam o caminho por terra até a Crimeia, um corredor”, explica o pesquisador.
O outro objetivo atual da Rússia seria consolidar a defesa da região de Donbass, no leste da Ucrânia, estabelecendo o controle administrativo das regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhye, que Moscou anunciou em outubro do ano passado por decreto constitucional que fazem parte da Federação Russa.
Assim, se inicialmente o objetivo da guerra era uma espécie de blietzkrieg rápida e com uma vitória incontestável e uma capitulação da Ucrânia, então agora, no decorrer destes 11 meses, a guerra chegou a uma categoria de “guerra por esgotamento”.
“Temos um front mais ou menos estável, se olharmos o mapa, mas isso não quer dizer que não tenha ninguém morrendo. De um lado ou de outro, sempre chegam novas tropas e novos equipamentos militares que ficam aniquilando uns aos outros, e depois chegam novas pessoas, e novos equipamentos, até esgotar. É o mesmo que aconteceu na frente ocidental na Primeira Guerra Mundial”, argumenta Byshok.
“A partir dessa lógica, da lógica de uma guerra por esgotamento, é claro que é preciso uma nova mobilização ou a continuidade da anterior”, acrescenta.
O fato é que, oficialmente, o decreto da mobilização, iniciado em setembro de 2022, continua em vigor na Rússia. No início de novembro, as autoridades anunciaram que a mobilização havia sido concluída, após o recrutamento de mais de 300 mil homens para a operação militar na Ucrânia. Mas não houve nenhum decreto oficial do presidente da Federação Russa anulando o documento. Também não foi determinado oficialmente nenhum limite para o número de pessoas que podem ser convocadas.
O especialista militar, coronel da reserva das Forças Armadas da Ucrânia, Roman Svitan, citado pelo portal TSN, afimou que não “não faz sentido” a Rússia anunciar uma nova mobilização, pois ela ainda está curso.
“As tropas estão sendo recrutadas – soldados contratados estão sendo recrutados e mobilizados através dos cartórios de registro e alistamento militar. Anunciar uma mobilização no campo informativo só será benéfico para a Rússia quando a própria mobilização for percebida pela sociedade russa como positiva e acrescentará pontos à liderança politico-militar. Se for percebida negativamente, ninguém a anunciará, mas eles a cumprirão”, observou o especialista militar.
Escalada da guerra também vem do Ocidente
Por outro lado, os EUA anunciaram na última quarta-feira (25) que enviarão seus principais tanques de batalha M1 Abrams para a Ucrânia. De acordo com o presidente Joe Biden, um total de 31 tanques serão transferidos. Segundo Biden, a entrega vai demorar, mas os Estados Unidos logo começarão a treinar os militares ucranianos.
“A entrega desses tanques ao campo de batalha levará tempo. Usaremos esse tempo para garantir que os ucranianos estejam totalmente preparados para integrar os tanques Abrams em sua defesa”, disse ele.
A decisão norte-americana seguiu a decisão da Alemanha de fornecer tanques Leopard-2 à Ucrânia, além de aprovar a reexportação dos veículos por terceiros países. O novo pacote de assistência às Forças Armadas da Ucrânia também incluirá treinamento militar, manutenção de sistemas, assistência logística e transferência de munição.
A decisão aconteceu após meses de relutância por parte da Alemanha de fornecer este tipo de equipamento militar para a Ucrânia. A justificativa usada pelo governo alemão era de que a decisão aumentaria o conflito na linha de frente e representaria uma provocação a Moscou.
“Devemos sempre deixar bem claro que estamos fazendo o que é necessário e o que é possível para apoiar a Ucrânia, mas ao mesmo tempo estamos evitando que a guerra se transforme em uma guerra entre a Rússia e a Otan, e sempre continuaremos a observar este princípio”, disse o chanceler alemão Olaf Scholz em comunicado.
Já a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Berbock, foi menos diplomática e, ao discursar na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, disse que a Europa está em guerra com a Rússia. A ministra se dirigiu a seus colegas europeus e disse que não era hora de descobrir quem fornecia artilharia à Ucrânia e quem não.
“Não vai levar a nada. Só terminará com a divisão da Europa. É por isso que eu disse recentemente: sim, devemos fazer mais para proteger a Ucrânia. Mas o mais importante e decisivo é que façamos isso juntos, e não joguemos o jogo de ‘encontrar o culpado’ na Europa, porque estamos em guerra contra a Rússia, não uns contra os outros”, disse ela.
A declaração teve uma grande repercussão na Rússia, sendo considerada pelo Kremlin como uma confissão dos objetivos do Ocidente contra Moscou. A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, ao comentar as declarações da ministra alemã, disse que os países do Ocidente há muito planejavam ações militares contra a Rússia.
O cientista político Stanislv Byshok aponta uma diferença na abordagem do Ocidente em relação à Rússia, pois, segundo ele, os EUA sempre mantiveram a posição de apoiar Kiev para enfraquecer e derrotar a Rússia.
Por outro lado, o pesquisador destaca que “na Alemanha havia certa barreira psicológica ligada ao fornecimento de armas na Ucrânia para combater o exército russo” e agora essa barreira teria sido rompida. Ele aponta que o número de 14 tanques alemães tem um impacto insignificante para os rumos do conflito, mas “psicologicamente” é um importante precedente que se abre.
Edição: Thales Schmidt