Por Luiz Costa, UàE.
Entidades ruralistas buscaram impedir a realização do curso de extensão “Reforma Agrária Popular, Agroecologia e Educação do Campo: alimentação e educação no enfrentamento ao agronegócio e às pandemias”, promovido na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
O curso, que acontece entre junho e agosto deste ano, contém aulas sobre o legado de Paulo Freire, agroecologia, reforma agrária popular, produção de alimento saudável e experiências dos assentamentos no combate à pandemia.
A investida dos setores ruralistas representa um ataque frontal ao princípio da liberdade de ensino e pesquisa, pedra angular na produção de conhecimento das universidades.
Para tentar impedir que o curso fosse promovidos, associações recorreram ao ministro da Educação, Milton Ribeiro. A Faeg (Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás) enviou uma carta ao MEC pedindo providências contra a realização do curso.
Em nota, o deputado federal e presidente da Faeg, José Mário Schreiner (DEM), critica o curso pela simples posição política adotada na temática, contrária ao agronegócio. O curso “demonstra seu cunho ideológico e sectário, já em sua denominação, com os termos ‘enfrentamento ao agronegócio”, afirmou em nota.
Devido ao suposto “viés terrorista” de afronta ao direito de propriedade, a entidade exigiu a interrupção do curso e o cancelamento das turmas já iniciadas.
Além da Faeg, a Andaterra (Associação Nacional de Defesa dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores da Terra) emitiu nota declarando o curso como “alinhado à ideologia criminosa do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)”.
“Trata-se claramente de um curso voltado contra o agronegócio e para a formação de agentes subversivos, fato que por si só tem grande potencial danoso para a sociedade brasileira a médio e longo prazo. É um curso voltado para enfrentar o agro nacional e, neste processo, ir implantado uma agenda comunista no campo”, afirmou a Andaterra, em nota repercutida nacionalmente.
No documento, a entidade ruralista chega a chamar o MST de grupo terrorista.
O MST “está organizado em 24 estados nas cinco regiões do país. No total, são cerca de 350 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e organização dos trabalhadores rurais”.
Curso de extensão “Reforma Agrária Popular, Agroecologia e Educação do Campo: alimentação e educação no enfrentamento ao agronegócio e às pandemias
Segundo a entidade patronal, o curso seria “voltado para enfrentar o agro nacional e, neste processo, ir implantado uma agenda comunista no campo”.
O Sindicato Rural da cidade de Jataí (GO) também enviou ofício ao MEC. Para a entidade, “o curso desagua de forma indevida na instigação, no enfrentamento, no combate e na desavença social, o que nos traz grande preocupação”.
A deputada federal catarinense Caroline de Toni (PSL) também se colocou contrária a liberdade de cátedra das universidades.
Em uma rede social, Toni afirmou que “não vamos permitir nenhuma malversação de dinheiro público em universidades federais em prol de grupelhos ideológicos de esquerda e muito menos carregado de desrespeito ao nosso agro”.
A reitoria da UFSC foi procurada pelo UàE e se manifestou a respeito. Segundo a UFSC, “como os espaços numa Universidade Pública são plurais e seguem a horizontalidade de decisões colegiadas, não temos nada contra a oferta pelo Departamento de uma atividade que ele, o Departamento, julga relevante”.
Questionada sobre a tentativa das entidades ruralistas de violar o princípio de liberdade de cátedra, a reitoria afirmou que “o que a nota traz é uma tentativa de ameaçar essa liberdade, na medida em que a discordância quanto às abordagens, acaba traduzida numa tentativa de transformar em ilegítima a oferta de conteúdos”.
“Quem discorda, que se expresse como quiser. Mas nós não levamos isso em conta. Pelo contrário: pelas nossas normas e pela natureza da instituição, os cursos promovidos pela universidade, são todos importantes”, concluiu.
O curso de extensão “Reforma Agrária Popular, Agroecologia e Educação do Campo: alimentação e educação no enfrentamento ao agronegócio e às pandemias” integra a 8ª Jornada Universitária da Reforma Agrária de Santa Catarina, uma realização do Geca/UFSC (Grupo de Estudos em Educação, Escolas do Campo e Agroecologia).
As inscrições encerraram no dia 29 de junho. Os encontros são virtuais e acontecem quinzenalmente, até dia 17 de agosto.
O Geca foi criado em 2016 com o intuito de “atuar na formação de professores para as escolas do campo, articulada aos princípios da Agroecologia e tendo o materialismo histórico-dialético como eixo teórico”.
O objetivo do grupo é “contribuir para o avanço e consolidação da produção de conhecimento com e acerca das escolas do campo, nos níveis de graduação e pós-graduação; na elaboração de materiais didáticos e científicos voltados à diferentes públicos; promoção de atividades de formação e eventos; visando qualificar o trabalho pedagógico e o acesso à educação pública para os sujeitos do campo”.
Confira a programação do curso:
- 29/06 – Abertura e Paulo Freire e legado para a Reforma Agrária Popular
Palestrante: Izabel Grein (Setor de Educação do MST) – Coordenação: Graziela Del Monaco (GECA/UFSC) - 13/07 – Paulo Freire e as contribuições para Educação do Campo e à Agroecologia
Palestrante: Ney Orzekowski (MST/PR) – Coordenação: Marilia Gaia (GECA/UFSC) - 27/07 – Educação Popular na Cozinha: reflexões sobre a interface entre educação popular e alimentação adequada e saudável
Palestrante: Etel Matielo (Nutricionista, Aromaterapeuta, Educadora Popular. Doutoranda da ENSP/Fiocruz. Colaboradora do Coletivo Nacional de Saúde do MST) – Coordenação: Carolina Cherfem (GECA/UFSC) - 03/08 – A produção de alimento saudável no projeto da Reforma Agrária Popular
Palestrante: Álvaro Santin (MST/SC) – Coordenação: Edson M. Anhaia (GECA/UFSC) - 17/08 – Experiências dos assentamentos da reforma agrária no enfrentamento à pandemia do Covid 19: produção e distribuição de alimento e a educação escolar
Palestrantes: Agnaldo Cordeiro (EEB Vinte e Cinco de Maio, Fraiburgo/SC) e Michele Silveira (Escola de Educação Básica Trinta de Outubro, Lebon Régis/SC) – Coordenação: Natacha E. Janata (GECA/UFSC)
Leia íntegra da nota da Andaterra:
“A Associação Nacional de Defesa dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores da Terra (Andaterra) vem a público manifestar seu repúdio à realização do curso promovido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) cujo título é “Reforma Agrária Popular, Agroecologia e Educação do Campo: alimentação e educação no enfrentamento ao agronegócio e às pandemias“.
É de conhecimento notório que, infelizmente, o debate da Reforma Agrária foi monopolizado por grupos criminosos e até mesmo terroristas, como o MST. O conteúdo do referido curso promovido pela UFSC está alinhado à ideologia criminosa do MST. Trata-se claramente de um curso voltado contra o agronegócio e para a formação de agentes subversivos, fato que por si só tem grande potencial danoso para a sociedade brasileira a médio e longo prazo. É um curso voltado para enfrentar o agro nacional e, neste processo, ir implantado uma agenda comunista no campo.
É com grande indignação que nós, produtores rurais, vemos o dinheiro público – o qual é em boa parte arrecadado com os impostos pagos pelos produtores rurais – sendo gasto em tais iniciativas nocivas que visam atacar os princípios universais da economia de mercado, e formar quadros para grupos de extrema-esquerda, ou mesmo grupos criminosos que promovem ações de terror no campo com as invasões de terra.
A universidade é uma instituição que deve usar o dinheiro público para o bem público, e não para o benefício de certos grupos político-ideológicos radicais. A universidade deve promover a cultura, a formação profissional e intelectual e o avanço da ciência, e não a divulgação de ideologias políticas radicais que são abertamente danosas, ou mesmo genocidas. A ideologia defendida por grupos como o MST levou a fome nos diversos países em que se destruiu a economia de mercado para a implementação de uma economia planificada e centralizada nas decisões dos políticos do partido comunista. Dezenas de milhões de pessoas morreram simplesmente porque ao homem do campo foi tirada a liberdade para produzir e vender os alimentos que produziu.
É chocante que, com tantas provas históricas do fracasso dessas ideologias radicais, uma universidade federal esteja ensinando ideias que, além de antiquadas, apenas promovem a violência no campo, a escassez de alimentos, a miséria e a manutenção de formas totalitárias de governo.
Esperamos que o Ministério da Educação tome as medidas cabíveis aos envolvidos na realização deste curso, e que desenvolva mecanismos institucionais que impeçam o uso político-ideológico das universidades federais.”