Por Juan Luis Berterretche, para Desacato.info.
Para quem a literatura é uma inspiração constante no seu trabalho jornalístico não pode surpreender a capacidade de vaticinar o futuro que as obras literárias contêm.
Relendo um livro do exímio Rubem Fonseca, Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos, deparei-me com um personagem secundário que, na leitura anterior, não medi em sua verdadeira importância. O personagem central é um diretor de cinema carioca obsessivo com a obra literária de Isaak Bábel e seu interesse por realizar um filme com base na história da Cavalaria Vermelha, do escritor russo.
O protagonista tem um irmão que define como “tele-evangélico”, que lhe deu o encargo da realização dum filme, para seu programa semanal de TV e o fustiga diariamente com sugestões sobre o roteiro. Em sua primeira aparição no romance o chama para lhe indicar que seja mais direto com relação ao pedido de dinheiro, “como os americanos”, explica. O personagem central se dirige ao leitor com apenas um comentário taxativo: “Uma conversa detestável”.
Nas páginas posteriores o protagonista nos fará uma apresentação biográfica do seu irmão José: “A igreja dele era a Igreja Evangélica de Jesus Salvador das Almas. Mais de dez mil pessoas contribuíam todo mês para a Igreja voluntariamente com parte de seus salários. A maioria empregadas domésticas e trabalhadores que recebiam salário mínimo…” . E completa a personalidade do seu irmão descrevendo: “José sabia vender. Deixara de estudar, ainda menino para vender coisas. Fora camelô, vendendo bugigangas contrabandeadas, depois vendera enciclopédias de porta em porta, depois carros usados, agora vendia a salvação das almas”.
O livro que é de 1988 nos revela a estratégica política evangélica que estamos presenciando hoje em toda sua intensidade, 27anos depois. O irmão pastor confessa ao protagonista: “Nós, evangélicos, precisamos de uma representação forte no Congresso”. E acrescenta: “Vou surpreender você.” Percebi que hesitava, mas, já tinha iniciado sua revelação: “Meu irmão, não está longe o dia em que teremos um pastor na Presidência deste País”.
Até agora a profecia literária alcançou um escalão inferior. Temos o evangélico Eduardo Cunha na presidência da Câmara de Deputados e já pudemos apreciar seus efeitos funestos.
Algumas coias nunca mudam. Continua sendo impossível que a burocracia evolua, aprendendo algo de seus próprios erros. E para a burocracia institucional é inadmissível desligar-se da turbulência de impunidade e privilégios que a cega. Isso é umas vultuosas contas de propinas na Suíça, nos estão salvando, por agora, de um futuro pastor na presidência do Brasil.
Versão corrigida em português: Raul Fitipaldi, para Desacato.info
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