Por Rachel Duarte.
O recente caso da morte do jornalista goiano Lucas Cardoso Fortuna, de 28 anos, que foi qualificado como latrocínio pela Polícia Civil de Recife foi considerado emblemático para o governo federal. A posição da Secretaria Nacional de Direitos Humanos é que o crime teve motivação homofóbica e o caso uma demonstração da fragilidade do sistema de segurança pública brasileiro. Para enfrentar os entraves no registro dos crimes de ódio que já tiraram a vida de quase 300 homossexuais ao longo de 2011, a Coordenadoria Nacional de Diversidade está instalando comitês de combate à impunidade nos estados.
O Rio Grande do Sul será o segundo estado a receber o Comitê Estadual de Enfrentamento à Homofobia, que deve ser lançado até a próxima semana. A previsão inicial era realizar o lançamento em cerimônia no Palácio Piratini, nesta sexta-feira (14), com a presença da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. Porém, o governador está em viagem com a presidenta Dilma Rousseff na Europa e o conflito de agenda não havia sido solucionado até o fechamento desta matéria.
No último dia 7, o estado do Acre foi o primeiro a inaugurar o Comitê proposto pelo governo federal. A intenção é que o espaço seja um instrumento de mobilização para prevenção da violência contra a população LGBT e de cobrança das autoridades públicas sobre a devida investigação criminal dos crimes por homofobia. “Isso não é algo que deve ficar apenas na luta dos movimentos LGBT. É um problema de toda a sociedade. Os principais problemas para o enfrentamento da homofobia são a invisibilidade dos crimes motivados pelo preconceito por orientação sexual e a falta de confiança dos homossexuais nos órgãos de segurança pública”, explica o coordenador Nacional de Diversidade Sexual, Gustavo Bernardes.
Coordenador nacional da Diversidade Gustavo Bernardes afirma que assassinatos homofóbicos não têm registro oficial no país.
Segundo Bernardes, além das vítimas, os familiares e pessoas mais próximas sofrem com a ausência de registros de ocorrências adequada à motivação homofóbica. “O caso do Lucas Fortuna é emblemático para nós. Ele foi brutalmente assassinado e esta é a característica das mortes por homofobia, o excesso de violência. Este caso também mostrou a impossibilidade de o estado reconhecer estes crimes como tal”, considera.
O governo federal apoia institucionalmente a criação dos Comitês de Enfrentamento à Homofobia, que serão mantidos pelos estados. A proposta é reunir os atores públicos e dialogar sobre as práticas de prevenção e criminalização da homofobia. “Estamos trabalhando para desconstruir a ideia dos crimes de ódio não serem registrados como tal. As polícias devem estar preparadas para atuar neste tipo de caso. Também vamos trabalhar com estes comitês para mobilização da aprovação do PLC 122”, falou o coordenador sobre o texto engavetado no Congresso Nacional há 10 anos e que prevê o crime por homofobia.
Observatório de entidades acompanhará trabalho do governo
Para acompanhar o trabalho do governo gaúcho neste tema, a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) reuniu 60 entidades, entre universidades, movimentos sociais e instituições públicas. Nesta sexta-feira (14), em uma audiência pública, no auditório da Escola Superior de Magistratura, será lançado um Observatório Contra a Homofobia. A iniciativa se somará ao trabalho do Comitê Estadual proposto pelo governo federal.
“Nós estivemos em reunião com a ministra Maria do Rosário, que reconheceu a nossa intenção. Nós não vamos atuar de forma a interferir no trabalho de promoção de políticas públicas, que é tarefa do estado: vamos acompanhar o encaminhamento deste tema pelo governo”, explica o vice-presidente Administrativo da Ajuris, Eugenio Couto Terra.
O tema do encontro será “A Homofobia e as Instituições” e será abordado pelo professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Henrique Nardy. Serão expostos dados científicos sobre a homofobia e haverá o relato pessoal de dois homossexuais que tiveram uma experiência positiva na conquista de direitos sociais. “Precisamos fomentar este debate na sociedade porque o preconceito é uma construção cultural que precisa ser modificada. Não temos ambiente de discussão sobre esta discriminação e a falta de conhecimento é, muitas vezes, a razão do preconceito”, fala Couto.
A motivação da Ajuris em liderar uma articulação das entidades, instituições e universidades partiu de um caso similar ao do jovem Lucas Fortuna. “Duas jovens foram assassinadas em Viamão, com possível motivação homofóbica. Conversamos com o delegado que disse que o caso se tratava de crime de assalto. Resolvemos seguir este debate com as entidades e promover alguma ação conjunta em relação a isso”, fala.
Desde abril deste ano o grupo passou a se reunir na sede da Ajuris e constituiu como primeira ação concreta a criação do Observatório Contra a Homofobia. O foco das ações e o tipo de atuação ainda serão discutidos na audiência de lançamento. Integram o grupo a ONG Somos, a Associação de Travestis e Transexuais do RS, Brigada Militar, Polícia Civil, Ordem dos Advogados do Brasil, Famurs, Serviço de Auxílio Jurídico Universitário da UFRGS (Saju), Ministério Público do Trabalho, Tribunal de Justiça do RS, cinco secretarias do governo gaúcho, entre outras entidades.
Lucas Fortuna foi morto próximo ao hotel em que estava hospedado em Recife | Foto: Divulgação
Fonte: Sul 21