O movimento teve início em 2002, quando cinco mulheres yanomami que participaram de um encontro da Organização das Mulheres Indígenas de Roraima resolveram promover algo parecido apenas com as mulheres Yanomami da região do Catrimani, contando com o apoio da Diocese de Roraima.
Em 2014, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) e o Instituto Socioambiental (ISA) apoiaram o 8° Encontro das Mulheres Yanomami, facilitando a participação de mulheres de outras regiões da Terra Indígena Yanomami e ampliando a rede entre elas.
Este ano, ocorreu a 9ª edição do Encontro, na aldeia Hawarihi Xapopë (traduzido para o português como “local das castanheiras que não põem frutos”), região do Catrimami, e contou com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), Diocese de Roraima e Hutukara Associação Yanomami, além da participação do Instituto Catitu, organização que apoia a mobilização das mulheres indígenas do Xingu e há anos promove a formação audiovisual e multimídia de mulheres indígenas.
Foram cinco dias de trocas e reflexões sobre os cuidados com a terra, envolvendo segurança alimentar, conhecimentos tradicionais da floresta, geração de renda, assistência à saúde e violência.
A floresta, a mulher e a soberania alimentar dos Yanomami
A importância da floresta em pé foi reafirmada pelas mulheres como fator primordial para garantir a autonomia alimentar de seu povo. Os Yanomami são hoje no Brasil um dos poucos povos que, em sua maioria, se alimenta dos produtos que colhem em suas roças ou que retiram da floresta (frutos, peixes e caças). São produtos saudáveis (wamotima thëki temi totihi), com os quais os Yanomami estão acostumados e que não dependem dos brancos para obtê-los.
Foi ressaltado o papel da mulher na garantia dos alimentos. Na distribuição de tarefas entre homens e mulheres, são elas as responsáveis por cuidar das roças?—?feitas pelos homens que derrubam a floresta e fazem o plantio?—?de coletar os frutos na floresta, catar caranguejos e pescar. Quando acontecem as caças coletivas, preparatórias para as grandes festas, os homens permanecem semanas na floresta, e são as mulheres que, na aldeia, são responsáveis por providenciar alimentos para ela e para os filhos.
“Nós protegemos os alimentos dos roçados e as frutas da floresta porque com eles dormimos de barriga cheia”, disse Tamara da comunidade Rokoari quando apresentava o desenho que fez sobre o que deve ser protegido na Terra Yanomami.
Atendimento à saúde na aldeia e não na cidade
Um tema bastante sensível ao bem-viver das mulheres Yanomami é a assistência à saúde prestada pelo Distrito Especial de Saúde Indígena Yanomami Ye’kwana (DSEI-YY). Elas reclamam do alto número de remoções de pacientes para Boa Vista (RR) e do longo período na Casa de Apoio à Saúde do Índio (Casai) aguardando por atendimento.
A maioria das aldeias Yanomami em Roraima são acessíveis apenas via área e têm uma distância média de 1h40 da capital Boa Vista.
No encontro, elas ressaltaram que querem ser atendidas em suas aldeias, diminuindo o número de remoções para Boa Vista (RR). Para isso, solicitam a construção de um hospital na região e dois postos de saúde nas aldeias mais distantes e , quando precisarem de atendimento na cidade, querem levar acompanhantes que se responsabilizem de verdade pelos seus cuidados. Esta condição reside em um questionamento sobre a escolha do acompanhante: atualmente ela tem como critério principal o conhecimento da língua portuguesa, o que remete quase sempre a adolescentes homens , mas não necessariamente a parentes que possam dar segurança às mulheres contra assédios e violações.
Combate à violência contra a mulher
Durante o Encontro foi apresentado o trabalho desenvolvido em 2015 pelo ISA e pela Hutukara Associação Yanomami com as mulheres na Casa de Apoio à Saúde do Índio (Casai), cujo objetivo foi realizar um diagnóstico sobre a origem da violência e da vulnerabilidade das mulheres Yanomami quando lá estão como pacientes ou acompanhantes.
Para a elaboração deste diagnóstico foram realizados encontros de sensibilização de mulheres e homens Yanomami e também rodas de conversas nas quais as mulheres socializaram suas experiências. Por se tratar de um tema sensível para muitas mulheres, adotou-se como estratégia criar um ambiente mais propicio ao diálogo, promovendo momentos de confecção coletiva de tipoias tradicional Yanomami para carregar crianças, cumprindo uma tripla função:
- Confeccionar este produto para ser vendido, gerando renda para as mulheres;
- Transformar o tempo ocioso em momentos de confraternização, considerando que muitas mulheres passam semanas e até meses na Casai;
- Criar laços de confiança entre as mulheres e delas com a equipe do ISA e da Hutukara para que o tema da violência possa ser tratado com respeito e profundidade.
“Fico aqui longe da comunidade, doente, sem família, fico pensando e sentindo saudade quero voltar logo. Gostei muito de fazer a tipoia assim eu parei de sentir saudade e a tristeza acabou um pouco”, compartilhou Lia, da comunidade Koyopi na roda de conversa.
Além do trabalho direto com as mulheres Yanomami, a equipe do ISA tem trabalhado com funcionários da Casai, buscando construir em conjunto mecanismos de controle social para diminuir a vulnerabilidade das mulheres Yanomami quando estão esperando atendimento.
Rede para deitar e para vender
A geração de renda pelas próprias mulheres é uma demanda crescente. Sandra Yanomami, da região Apiaú, compartilhou no encontro sua experiência com a comercialização de redes de lã coloridas, projeto também promovido por ISA e Hutukara.
A partir de uma experiência piloto, Sandra e outras mulheres experientes na tecelagem construíram uma escola para ensinarem suas filhas e sobrinhas a confeccionarem redes em sua comunidade, expandindo o acesso a renda para outras mulheres. Os relatos sobre os projetos de geração de renda no encontro inspiraram as mulheres da região do Catrimani a formarem um grupo para produção de tipoias para vender.
As mulheres e o conhecimento da floresta
Outro momento especial do Encontro foi a apresentação da pesquisa feita por jovens mulheres Yanomami, entre 2012 e 2013, que resultou na publicação do livro “Manual dos Remédios Tradicionais Yanomami”.
O conhecimento sobre os remédios tradicionais fazia parte do universo feminino. Eram as mulheres que conheciam as plantas e o modo de utilizá-las. Com o contato e a chegada dos remédios dos brancos, esta prática foi sendo esquecida. Como as mulheres da comunidade não tinham aprendido de suas mães e avós estes conhecimentos, os informantes foram três anciãos que, presentes no Encontro, relataram às jovens Yanomami como suas mães faziam:
“Minha mãe me ensinou a usar essas plantas para curar os doentes e agora eu estou ensinando para vocês”, diz Lucas Yanomami mostrando o livro”
Esta apresentação gerou uma reflexão sobre a importância de registrar o conhecimento dos mais velhos para que os jovens de diferentes regiões da Terra Indígena Yanomami possam ter acesso no futuro.
Plano de Gestão da Terra Indígena Yanomami
Os Yanomami iniciaram em 2015 a elaboração do Plano de Gestão da Terra Indígena Yanomami, com o apoio do ISA e da Hutukara. Visando participar ativamente deste processo, as mulheres Yanomami elaboraram, durante o seu 9° Encontro, uma carta de recomendações para a gestão da terra Yanomami, na qual expressam demandas específicas relacionadas aos temas que irão compor o Plano de Gestão: proteção e fiscalização, infraestrutura e comunicação, recursos naturais, cultura, saúde, educação e renda.
Durante as discussões, alguns jovens presentes manifestaram o desejo de que a Estrada Perimetral Norte fosse reaberta para facilitar o acesso deles à cidade.
Houve uma forte reação aos jovens por parte das mulheres mais velhas, que se revesaram no discurso para lembrar a todos os presentes de como a abertura da estrada, na década de 1960, dizimou muitas aldeias das regiões do Catrimani, Demini e Ajarani.
“Quando tinha estrada, morreram muitos Yanomami e eu fiquei sozinha e muito triste. Não quero que isso aconteça com meus filhos e sobrinhos. Se a estrada reabrir novamente, os filhos de vocês irão morrer como os antigos morreram. Estou aqui para alertar vocês”, disse Alice, da comunidade Waroma.
A liderança Davi Kopenawa Yanomami esteve presente no encontro das mulheres e ao lado delas foi enfático:
“A estrada é o caminho das epidemias, este é o nome da estrada. A estrada irá alimentar vocês? A estrada fará vocês viverem com saúde? Para vocês isso é bom? Para mim não é! “
O movimento continua…
A participação de Mari Corrêa, do Instituto Catitu, enriqueceu a reflexão sobre o registro da cultura Yanomami, sobretudo sob o ponto de vista feminino. Ela apresentou seu trabalho relacionado ao apoio a organização de mulheres no Xingu, incluindo formação audiovisual. Animadas com a apresentação, as mulheres Yanomami manifestaram o desejo de que projetos similares fossem desenvolvidos por elas.
Vamos esperar, porque novas ideias ainda estão por vir!
—
Fonte: Medium
Prossiga à escrever, você disse coisa muito interessante e que sabor.